UFPel lança análise sobre o Future-se
A Universidade Federal de Pelotas (UFPel) lançou um documento no qual oferece uma proposta de análise preliminar do Programa Institutos e Universidades Empreendedoras e Inovadoras – Future-se, lançado pelo Ministério da Educação (MEC) no dia 17 de julho. Os questionamentos e ponderações são oferecidos para contribuir na reflexão da comunidade acadêmica, que é chamada a dar sua opinião na consulta pública aberta pelo MEC, que vai até o dia 7 de agosto. Veja o vídeo tutorial da UFPel aqui. Acesse o documento: Future-se – Análise UFPel
O documento está estruturado em quatro partes. A primeira analisa o método, incluindo o cronograma, divulgado pelo MEC. A segunda parte trata do mérito, considerando os eventos de divulgação do plano para reitores e a mídia, os slides utilizados nesses encontros e o texto completo, disponível para consulta pública. A seguir, o documento propõe uma análise do instrumento legal, considerando o instrumento legislativo decorrente do Programa Future-se, disponível na Internet, ainda que este tenha sido apresentado no âmbito informal às Instituições Federais de Ensino Superior (IFES). Por último, trata de propostas iniciais para a avaliação adequada pela comunidade da UFPel.
Destaca-se a parte que analisa o mérito, onde reproduz-se integralmente a proposta do Programa disponível para consulta pública (destacado entre molduras), que estão seguidas de questões e considerações, ponto a ponto, sobre o plano. Além disso, salienta-se também o trecho a respeito da análise legal, que apresenta uma leitura do conjunto de alterações em 16 legislações federais vigentes e recorre a princípios de constitucionalidade, as quais o Programa Future-se propõe alterar.
A leitura é “um convite à continuidade na participação neste processo, fundamental para a garantia das Universidades públicas, gratuitas, de qualidade e socialmente referenciadas para o futuro do Brasil”, destaca o texto.
Aprofundamento indispensável
A necessidade de maior clareza e coerência em relação à proposta, que apresenta informações superficiais e insuficientes para a compreensão de temas densos como os abordados é ressaltada na análise.
O documento aponta, como aspecto positivo, que as Universidades Federais, que já foram tratadas pelo MEC como local de balbúrdia, finalmente tiveram seu trabalho reconhecido, e que propõe solucionar um problema concreto: o desestímulo para a captação de recursos próprios, decorrente de uma legislação que “desconta” os recursos captados do orçamento das Universidades.
No entanto, destaca: não é legítimo construir um plano para o futuro das Universidades Federais sem diálogo com as Universidades Federais. Em nenhum momento as instituições – principais implicadas – participaram da elaboração do plano.
Autonomia administrativa e financeira
Dentre as constatações e dúvidas da administração da UFPel sobre os itens apresentados no projeto, fica expresso que ainda é essencial compreender, de forma transparente, qual o conceito de autonomia financeira que embasa o plano Future-se. “Autonomia financeira está sendo tratada aqui como independência do Estado? A meta é que, daqui a alguns anos, as Universidades aderentes ao Future-se não mais dependam de financiamento por parte do MEC? Em outras palavras, caso o Future-se seja um sucesso e o incremento das receitas próprias seja possível, esse saldo seria utilizado para a expansão e qualificação das próprias Universidades ou para diminuir o orçamento disponibilizado pelo Estado às Universidades?”, questiona a administração da UFPel.
Diferentemente da apresentação do programa, e também das apresentações públicas da proposta, surgem, além da autonomia financeira, as autonomias administrativas e de gestão. Nesses aspectos, aponta o documento, parece contraditório que as autonomias administrativas e de gestão das Universidades sejam fortalecidas a partir de parceiras com organizações sociais.
“Ainda no objetivo geral cabe destacar a falta de esclarecimento sobre o papel das organizações sociais no programa Future-se”, relata a análise. E faz o alerta: parece que as organizações sociais exerceriam um papel de estrutura paralela às administrações. Fica a dúvida: como procederia a Universidade em casos nos quais o Conselho Superior tiver uma posição diferente daquela do Conselho de Administração da organização social?
Conforme pontua o documento, tanto o objetivo geral quanto o detalhamento do programa deixam de responder a algumas perguntas essenciais: as atividades-fim da Universidade (ensino, pesquisa e extensão) também podem ser alvo de terceirização via organização social? Uma Universidade aderente ao Future-se poderá ter professores contratados pela organização social, e não do regime jurídico único? O fazer técnico-administrativo será terceirizado completamente via organizações sociais?
Divisão
Segundo a análise, a política de adesão desequilibra a unidade das Universidades Federais. A administração da UFPel é contrária a qualquer tentativa de divisão das Universidades Federais, especialmente uma que separe as Universidades entre aderentes e não aderentes. Essa divisão pode gerar desigualdades na quantidade de dedicação do MEC às Universidades aderentes e não aderentes. “É admissível conjeturar que haverá instâncias de editais e financiamentos públicos abertos somente a Organizações Sociais, do qual universidades não aderentes não poderão participar”.
Conflito
Como ponto central da proposta, a Universidade que aderir ao programa é obrigada a utilizar a organização social contratada para dar suporte às atividades nos três eixos do programa. Conforme aponta a análise, cria-se um óbvio conflito de funções entre reitores, vice-reitores, pró-reitores e gestores da organização social, pois diferentemente do caso da EBSERH, tanto a Universidade quanto a organização social estarão gerenciando a mesma coisa.
Em relação à operacionalização, há uma diferença considerável com o que foi apresentado aos reitores e à imprensa. Os contratos de gestão, que aparentemente seriam focados na “libertação da gestão” com as despesas contínuas e serviços terceirizados, agora incluem as atividades de ensino, pesquisa, desenvolvimento tecnológico e cultura, atividades-fim das Universidades. “É absolutamente essencial que o MEC explicite qual das versões é a correta. Caso a segunda opção seja a correta, inúmeros questionamentos surgem imediatamente: a organização social passaria a ter quadro de professores próprios? A organização social teria ingerência na oferta de vagas, criação e extinção de cursos nas Universidades? O fazer técnico-administrativo seria gradativamente transferido para trabalhadores ligados à organização social?”.
Governança
A análise questiona ainda se a proposta trata de indicadores e metas pedagógicas ou gerenciais. Ao mesmo tempo, o Future-se apresenta orientações relacionadas a mecanismos, instâncias e práticas de governança com as quais as instituições já trabalham.
Conforme foi informado às IFES, e de acordo com a própria apresentação do documento, o Future-se objetiva fortalecer a autonomia financeira das Universidades Federais. Várias das funções das organizações sociais listadas ampliam consideravelmente sua função no programa, tornando-se verdadeiras administrações paralelas das Universidades Federais, reforçando a preocupação com a privatização da gestão das Universidades.
A Universidade reconhece a necessidade de estímulo à captação e utilização de recursos próprios, mas não cogita terceirizar sua administração para uma organização social. O documento aponta o estranhamento pelo fato de as Fundações de Apoio terem sido ignoradas, até porque algumas dessas atividades são atualmente executadas por essas instituições. “Transferir essas atividades para as organizações sociais é transferir a gestão das Universidades públicas para o setor privado. O programa, talvez por falta de aprofundamento, permite a interpretação de que se trata de uma proposta de privatização gradativa das Universidades Federais”, pontua.
Análise Jurídica
A avaliação jurídica preliminar destaca dois pontos de questionamento: o instrumento legal não é fiel às apresentações e o documento disponibilizado pela consulta pública do MEC, uma vez que insere novos elementos e inserções do Programa Future-se no âmbito das IFES. Além disso, o instrumento propõe um conjunto de alterações, em 16 legislações vigentes.
A análise entende que o Programa Future-se acabará por reduzir a autonomia universitária, configurando-se como um ato de inconstitucionalidade, uma vez que viola o conteúdo previsto no texto constitucional.
Participação da comunidade
Para a Administração da UFPel, a comunidade universitária deve participar, massivamente, da consulta pública do Programa Future-se proposta pelo MEC. A meta é ter a participação de 10 mil estudantes, mil servidores técnico-administrativos e mil servidores docentes. “O MEC precisa saber que não entendemos parte da proposta por falta de detalhamento, que não concordamos com o método utilizado e precisa, também, ter ciência das nossas posições individuais sobre o texto apresentado”.
Em caso de necessidade de resposta institucional, pela adesão ou não, a gestão propõe um plebiscito. Deverá ser proposto um processo de consulta à comunidade, com apuração universal dos votos, sem distinção entre categorias. A intenção é que o plebiscito seja precedido de, pelo menos, três debates. Será proposto ao CONSUN, desde o início, que referende unanimemente a decisão democrática obtida no plebiscito.
Veja todos os detalhes no documento.