Alunos se reúnem com primeira indígena de formação arqueológica do país
Representante do povo Laklãnõ, Walderes Coctá Priprá, considerada a primeira indígena do país com formação na área de Arqueologia, esteve na Universidade Federal de Pelotas (UFPel) para participar do Congresso da Sociedade de Arqueologia Brasileira. Além de apresentar sua pesquisa, que tem como foco os locais de memória de sua etnia – a única do Brasil, localizada em Santa Catarina -, ela participou de uma roda de conversa com estudantes indígenas da UFPel.
O encontro contou também com a presença de Jaime Xanen, da etnia Uaiuai, e Pietra Dolamita, Apurinã. A conversa trouxe troca de experiências sobre a dinâmica e o protagonismo dos indígenas na Universidade Federal de Santa Catarina (USFC), onde Walderes realiza seu mestrado em História na linha de pesquisa História Indígena, Etnohistória e Arqueologia. Além disso, os convidados falaram sobre a trajetória de lutas e conquistas. Para Walderes, o bate-papo foi uma oportunidade para que os jovens pudessem se inspirar em exemplos de indígenas que já estão à frente na formação. “Ver o interesse deles é muito importante. Fiquei muito feliz de poder transmitir um pouco da minha experiência. É uma esperança para as nossas comunidades”, pontuou.
Para a chefe do Núcleo de Ações Afirmativas e Diversidade (NUAAD/UFPel), Raquel Silveira, a construção de políticas afirmativas só se pode dar em diálogo com o grupo e no espaço acadêmico esse diálogo é extremamente significativo. Para os estudantes, destaca, o encontro foi uma oportunidade reconhecimento da luta, para que entendam, como jovens, de que forma cada universidade e comunidades próximas avançaram em suas conquistas. “A gente precisa reconhecer as lutas e fortalecer o coletivo indígena. Resgatar a história é importante para mantê-las e potencializá-las”, destacou.
Protagonistas da própria história
A pesquisa de Walderes traz um levantamento dos locais de acampamentos e memórias do povo Laklãnõ (ou Xokleng, nome dado por antropólogos) que fica no Alto Vale do Itajaí, em Santa Catarina. Conversas com anciães e lideranças na comunidade, além de visitas aos locais representativos para o povo integram o trabalho. Esses sítios eram ambientes de acampamentos antigos, cemitérios e espaços onde eram produzidos artefatos. “É importante que a nossa comunidade conheça o papel da Arqueologia e que possamos mostrar a história do nosso povo para as crianças”, conta ela, que também é graduada em Licenciatura Intercultural Indígena do Sul da Mata Atlântica pela UFSC. Além disso, o estudo tem o propósito de marcar os locais para sua preservação, em especial porque se encontram em um território cercado por quatro municípios e que sofre com a disputa de terras.
A etnia Laklãnõ é formada por aproximadamente 2,8 mil pessoas e teve contato com outras sociedades em 1914. São quatro grupos familiares, que se reconhecem pelas marcas pintadas no corpo. De acordo com ela, por ser um povo guerreiro, foi muito perseguido e dizimado. A partir da década de 20, foram proibidos de falar seu idioma e realizar suas cerimônias. “A história é muito sangrenta e sofrida. Queremos olhar para o passado e construir um futuro bom para a nossa comunidade”, pontuou a mestranda, lembrando que uma das principais características dos Laklãnõs é pensar não em si, mas no coletivo. Na década de 90, surge a necessidade e a luta para usar o idioma e resgatar outros aspectos da cultura para serem passados às novas gerações. Conhecer outros povos indígenas do país – são 305 no total – e reconhecer a diversidade também é um ponto destacado por ela. “É importante que possamos estar contando a nossa história. Até aqui, foi o não-indígena que contou. Sermos protagonistas da nossa própria história é o mais importante para nós”.