“A aprovação da vacina de dose única contra a dengue é um marco para a ciência brasileira”, afirma pesquisadora da UFPel
Centro de Pesquisas Clínicas do HE-UFPel integrou etapa decisiva para a aprovação da vacina do Instituto Butantan

Danise Senna Oliveira, pesquisadora do Centro de Pesquisas Clínicas do Hospital Escola da UFPel.
A aprovação da primeira vacina de dose única contra a dengue no mundo representa uma virada de página para o enfrentamento da doença no Brasil. O Instituto Butantan liderou o desenvolvimento do imunizante e o Centro de Pesquisas Clínicas do Hospital Escola da Universidade Federal de Pelotas (HE-UFPel), vinculado à Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh), integrou a fase final do ensaio clínico, contribuindo com o subestudo de Consistência de Lotes, etapa essencial para a validação do produto.
Nesta entrevista, a pesquisadora Danise Senna Oliveira explica a importância científica, o papel da UFPel, os resultados obtidos e os próximos passos da pesquisa.
O que representa para a ciência brasileira a aprovação da primeira vacina de dose única contra a dengue no mundo?
É um marco importante de capacidade de inovação, desenvolvimento de novos produtos e tecnologias. O Brasil assume o protagonismo no controle sanitário da doença. Além disso, a dose única traz mais facilidade na distribuição, aplicação e adesão.
Como a senhora avalia o impacto desse avanço para a saúde pública?
A vacina será uma ferramenta essencial no enfrentamento da dengue. Não é a única medida necessária, mas associada a outras medidas trará controle da doença nos próximos anos. O Instituto Butantan ainda precisa de tempo para produzir o produto em larga escala.
Como a UFPel foi integrada à fase final do estudo?
Participamos junto com a PUC-RS da coleta de dados para o subestudo de consistência de lotes, etapa que comprova que diferentes lotes da vacina apresentam o mesmo desempenho.
Quais diferenciais do Centro de Pesquisas Clínicas do HE-UFPel contribuíram para o sucesso da pesquisa?
Nosso diferencial é geográfico e epidemiológico. Para essa etapa de consistência de lotes era necessário local de baixa endemicidade para dengue (poucos casos) e Pelotas se encontra nessa situação, por enquanto.
Como foi conduzir um estudo tão importante?
Foi uma responsabilidade grande, muito trabalho para realizar o estudo, sempre colocando em primeiro lugar a segurança dos voluntários.
O que caracteriza a etapa de Consistência de Lotes?
Ela comprova que o produto funciona da mesma forma em lotes distintos. Isso garante que o imunizante pode ser reproduzido com segurança e eficácia.
Como foi o processo de recrutamento e acompanhamento dos 335 voluntários na UFPel?
Recrutamos pessoas de 18 a 59 anos de Pelotas. Elas foram randomizadas (escolhidas de forma aleatória) para receber um dos três lotes da vacina ou placebo e acompanhadas por um ano para avaliar eficácia (episódios de dengue), imunogenicidade (se o produto criava anticorpos) e segurança.
Quais foram os principais resultados observados no estudo realizado aqui?
Os dados foram analisados em conjunto com os nacionais. Em Pelotas, não registramos casos de dengue entre os voluntários. Quanto à segurança, os efeitos adversos foram leves e toleráveis, como rash cutâneo e cefaleia na segunda semana pós-vacinação.
O que diferencia essa vacina de outras já existentes?
Atualmente, há outra vacina disponível apenas na rede privada, aplicada em duas doses. Além de ser dose única, o que facilita muito a proteção da população, o preço deve ser mais acessível para incorporação ao Programa Nacional de Imunizações (PNI).
Por que uma vacina de dose única pode ser decisiva em emergências sanitárias?
Uma vacina de dose única garante proteção completa com apenas uma aplicação, o que acelera a imunização da população.
A UFPel iniciará em 2026 uma nova etapa para avaliar a vacina em idosos. O que motivou esse estudo?
Os idosos são parte da população com maior mortalidade nas epidemias de dengue, porém não há nenhuma vacina disponível no mundo para essa faixa etária. Precisamos avaliar a eficácia e segurança específica nessa faixa etária para podermos liberar essa nova tecnologia para essa parcela tão afetada da população.
Quais são os principais desafios esperados nessa faixa etária?
O recrutamento tende a ser mais difícil. Esperamos que a população acima de 60 anos receba bem o protocolo e se engaje. Com dados de eficácia acima de 60 anos, poderemos reduzir a maioria das mortes causadas pela doença.
Há outras pesquisas relacionadas?
Sim. Em fevereiro de 2026 também iniciaremos o estudo de coadministracao da vacina da Dengue e Chickungunya em Pelotas. Um braço da população do estudo receberá vacina de dengue, o outro de Chikungunya e um terceiro, ambas. Lembrando que ambas já foram aprovadas pela Anvisa. Esse estudo recrutará voluntários de 18-59 anos e tem por objetivo mostrar que administrar as duas vacinas ao mesmo tempo não altera eficácia e segurança de nenhuma delas.
Qual a importância dos 335 voluntários que participaram desta etapa da pesquisa?
Eles foram fundamentais para viabilizar a chegada da vacina ao mercado. Agradeço a responsabilidade social e o comprometimento de cada um.
Que mensagem a senhora gostaria de deixar para as pessoas que contribuíram com o estudo?
Não há pesquisa clínica sem voluntários. E não há novos produtos e tecnologias farmacêuticas para melhorar a vida das pessoas sem a fase clínica das pesquisas. Os voluntários contribuíram efetivamente para que, em breve, a vacina esteja no braço dos brasileiros, ajudando a controlar a epidemia de dengue. Um grande muito obrigada!
Como a senhora vê o papel das universidades públicas na produção de ciência que impacta diretamente a vida da população?
As universidades produzem grande mentes e grandes cientistas, mas, quanto a novos produtos farmacológicos, ainda são necessárias parcerias com instituições públicas e privadas para desenvolver a parte clínica dos protocolos. A fase clínica é extremamente dispendiosa e estudos translacionais (da molécula, fase pré-clínica até a fase clínica até chegar no braço das pessoas) ainda não são uma realidade no Brasil e nem no mundo, de modo geral. Precisamos aproximar as universidades da pesquisa clínica. Há muito espaço para isso. Fico grata da UFPel já estar nesse caminho através do Centro de Pesquisa do Hospital.
Como a senhora imagina que estará o cenário da dengue no Brasil com a incorporação dessa vacina ao PNI?
Haverá queda de casos e principalmente mortes nos próximos anos. Lembrando que será necessária uma produção da vacina em grande escala. Neste momento, o Instituto Butantan tem 1 milhão de doses disponíveis para uso imediato e espera chegar, nos próximos anos, à capacidade de 60 milhões de doses. Ainda precisaremos de outras medidas de proteção individual e controle ambiental associadas.
Quais próximos passos a comunidade científica devem priorizar para avançar ainda mais no combate à dengue?
A incorporação de novas vacinas para suprir os milhões de habitantes do Brasil e do mercado global será bem-vinda. Também são importantes os antivirais para o vírus da dengue, alguns já em fase 3 de estudo clínico, além do controle sanitário e ambiental.
