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Quilombolas e indígenas participam de processo seletivo na UFPel

A Universidade Federal de Pelotas promoveu, no último fim de semana, a prova e as bancas do processo seletivo especial para pessoas indígenas e quilombolas. Participaram desta edição 41 moradores de comunidades tradicionais, que concorriam a 23 vagas em 13 cursos de graduação.

Diferente de outros processos seletivos que dão acesso à UFPel, como o Sistema de Seleção Unificada – que utiliza as notas do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) –  e o Programa de Avaliação da Vida Escolar (PAVE), a seleção de estudantes quilombolas e indígenas não é composta por avaliações dos conteúdos estudados durante a educação básica; as provas contemplam a redação de um memorial descritivo, de até três páginas, no qual o candidato pode falar sobre suas vivências na comunidade e a importância da sua potencial formação para seu local de origem, e a sua posterior defesa, diante de uma banca composta por servidores da UFPel ligados à área de diversidade e inclusão. “É uma seleção bastante peculiar, pois não vemos sentido em fazer uma prova de avaliação de conhecimentos apenas”, explica a coordenadora de Diversidade e Inclusão da UFPel, Airi Sacco.

Não é apenas a forma de avaliação que é diferenciada nesse processo seletivo: as próprias vagas oferecidas também levam em consideração as necessidades das comunidades quilombolas e indígenas e são decididas em diálogo com lideranças dos grupos, sendo discutidas a cada novo ciclo. Para esta edição, foram disponibilizadas vagas nos de Administração, Agronomia, Ciências Biológicas, Direito, Educação Física, Enfermagem, Fisioterapia, Letras – Português, Medicina, Medicina Veterinária, Odontologia, Pedagogia e Psicologia. A seleção tem a inscrição gratuita, e os participantes contam com alojamento, transporte e alimentação após a sua chegada em Pelotas.

O acesso específico a estudantes vindos de quilombos e aldeias faz parte de uma ação afirmativa autônoma por parte da Universidade Federal de Pelotas. Aprovada pelo Conselho Coordenador de Ensino, Pesquisa e Extensão (COCEPE) em 2015, a política destina vagas a esses grupos cuja possibilidade de ingresso nas universidades públicas é dificultada por seu modo de vida próprio, além de terem sido excluídos de diversos espaços da sociedade brasileira, o que trouxe muitas consequências para tais comunidades. “Esses grupos passaram por um processo de violência extrema e sofreram muita exclusão, por isso a gente entende que proporcionar esse ingresso é um processo de reparação”, pontua Airi. Os ingressantes nessa modalidade já têm assegurados, a partir de sua matrícula, acompanhamento pedagógico, moradia, auxílio transporte, alimentação e uma bolsa permanência.

Um processo de oportunidades

Realizadas no Campus Capão do Leão, as etapas do processo seletivo ocorreram na sexta-feira (29), com a redação dos memoriais descritivos, e no sábado (30), com as bancas de defesa. É também nesse local que os candidatos ficam alojados.

A edição de 2022 do processo seletivo especial para indígenas e quilombolas trouxe a oportunidade para que uma egressa da UFPel que garantiu a sua vaga em uma das primeiras seleções pudesse retribuir um pouco dessa caminhada de formação: Nara Beatriz Soares, vinda da comunidade remanescente de quilombo Manoel do Rêgo, de Canguçu (RS), bacharel em Direito e mestranda em Sociologia, participou das defesas dos memoriais descritivos na posição de banca. “Pude relembrar o que vivenciei”, conta, ao destacar a alegria em poder colaborar no processo.

“As comunidades precisam de profissionais e essa oportunidade permite que a gente leve o conhecimento para nossos locais de origem”, explica Nara. A pós-graduanda explica que a possibilidade aberta pela seleção especial proporciona um resgate dos direitos desses grupos e também permite uma ampliação da visão no que diz respeito a essas oportunidades: “Muitos jovens desistem da sua formação para ajudar no trabalho”.

O candidato Ítalo Soares, da comunidade quilombola Coxilha Negra, de São Lourenço do Sul (RS), pontua que a expectativa de trilhar uma formação no ensino superior é individualmente importante, mas que apenas a tentativa de ingresso já é um exemplo para os demais jovens da sua comunidade: “A gente dá o passo para que os outros venham atrás”. “Podemos ter uma mudança de vida pessoal e comunitária”, destaca Adryelle Carvalho, indígena vinda de Baía da Traição (PB).