Painel aborda olhares de professoras negras sobre a docência
Entre as atividades realizadas no dia de encerramento da 11ª Semana Integrada de Inovação, Ensino, Pesquisa e Extensão da UFPel, esteve o painel temático “Olhares de docentes negras para uma UFPel afirmativa”. A atividade, proposta pelo Ciclo Permanente de Atividade de Educação Antirracista, foi conduzida pela servidora da Pró-Reitoria de Extensão e Cultura Raquel Dias e contou com participação de professoras negras de diversas unidades da Universidade: Daiana Rosa, da Escola Superior de Educação Física (Esef), Bella Timbaí, do Centro de Artes (CA), e Rita de Cássia Medeiros, da Faculdade de Educação (FaE).
De acordo com a coordenação, a ideia de integrar a programação da SIIEPE foi a de ampliar o espaço de discussões sobre o tema para além do mês de novembro, quanto tradicionalmente o tema é pautado, devido ao Dia da Consciência Negra. “Queremos manter essa luta o ano todo”, comentou Raquel.
Formação para a diversidade
Abrindo o painel, a professora Daiana disse não lembrar de ter tido esse tipo de experiência enquanto transcorreu seu tempo de estudante na UFPel. Tendo realizado toda a sua formação acadêmica na Esef, ela comentou que não possuiu professores negros lotados na unidade no tempo da sua graduação: a única professora negra foi Rita de Cássia, que dividia com ela o painel, esta, porém, vinda da FaE. Por isso, ao pensar sobre o tema proposto para o debate, chegou à conclusão que uma UFPel afirmativa começa a se realizar quando há pessoas negras representando essa diversidade no cotidiano da instituição.
“Acho que já avançamos bastante, mas ainda temos muito pela frente”, afirmou a docente. Para ela, isso só se deu por existir dentro da UFPel um grupo de pessoas com essa visão; entretanto, em sua opinião, é necessário que elas cheguem cada vez mais a espaços de decisão. “Essas pessoas precisam estar aqui, ser vistas e ouvidas”, destacou, ao pontuar que ela própria era fruto das políticas afirmativas em seu processo de formação acadêmica.
No que tange ao espaço docente, Daiana salientou o papel primordial da sala de aula para proporcionar que estudantes sejam preparados para atuar na diversidade que é encontrada na sociedade: “É preciso trazer perspectivas a partir dos olhares marginalizados”. Entretanto, esse viés é encontrado, segundo ela, de forma mais intensa apenas nas licenciaturas, o que precisaria ser estendido de forma mais ampla para os currículos dos demais cursos.
Assim, conclui a professora, poderá começar a se pensar em uma redução das desigualdades. Ela finalizou sua fala questionando os presentes: “Será que a nossa atuação tem proporcionado uma UFPel afirmativa?”.
Por uma ciência afirmativa
Em seguida, tomou a palavra a professora Bella. Ela salientou a importância da luta dos movimentos sociais para que se chegasse a esse tipo de atitude na instituição universitária, espaço de pensamento colonizado, segundo sua definição. “Lutamos para que aqui se gere conhecimento socialmente referenciado”, disse.
Para Bella, uma UFPel afirmativa se faz na escuta do corpo discente que aqui ingressa, mas não se enxerga na atual estrutura.
A docente destacou como importante nesse processo que eventos como a SIIEPE não se prendam apenas na simples apresentação de trabalhos, ao defender que se vá, nas avaliações, além das perguntas tradicionais: “Nessa edição, busquei questionar como a ciência produzida é afirmativa”.
Ela ainda questionou se é possível pensar em um título antirracista se os projetos conduzidos pela Universidade ainda não conseguem se posicionar como tal. “Precisamos olhar para nossos currículos e projetos e dar um giro epistêmico, deixando para trás vieses colonialistas, racistas, que não sejam inclusivos”, incentivou.
Presença que causa um necessário desconforto
Fechando as falas, a professora Rita de Cássia fez um resgate da questão racial na UFPel. “Conheci uma UFPel de 1,5 mil estudantes; conheci uma Universidade de cargos hereditários da época em que as seleções eram sem concurso, uma Universidade feita para acomodar os filhos dos latifundiários, que criaram as faculdades originais para os seus”, afirmou. Segundo ela, essa UFPel, que muitos não conheceram, é de onde descende a instituição atual, a última a aderir à lei das cotas.
Ela definiu a presença negra no tempo de seu ingresso como rarefeita, onde corpos negros transitando causavam desconforto. “Em um estado, como o Rio Grande do Sul, com cerca de 20% de negros autodeclarados, a UFPel vem trazendo esse desconforto”, comentou.
Rita de Cássia relatou que quando se deu a fundação da Faculdade de Enfermagem – iniciada por mulheres pretas da Bahia -, o local onde se sediava a unidade era conhecido como o “covil das negras”. Com esse caso, ela questionou os presentes por qual motivo elas incomodavam os grupos privilegiados. “Como essas questões emergem na história da nossa instituição?”, questionou.
Por isso, a painelista provocou que é necessário que o antirracismo seja praticado e afirmou que isso deve ser feito pelas pessoas brancas: “Pessoas negras não precisam ser antirracistas; nós precisamos, sim, gerar o desconforto com a nossa presença, com a nossa ciência”.
Um ponto que exemplifica o racismo – que ainda existe, persiste e está estabelecido, conforme pontuou Rita de Cássia – está no fato de que são poucos os pretos como autores de trabalhos na SIIEPE, quase sempre encontrados como coautores. “O preto não é ensinado a vencer, a ter sua vez; ele deixa sempre sua vez ao branco”, ponderou.
No entanto, ela coloca o chamado racismo estrutural como uma desculpa para dificultar a mudança. “O racismo é pessoal, praticado pelas pessoas”, contrapôs-se. Para concluir, Rita de Cássia fez um chamamento para que a luta prossiga: “As pessoas brancas que quiserem se somar são nossas aliadas. As demais continuarão a viver no desconforto da nossa presença”.
