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“A Universidade precisa ser quilombo”, defende Katiúscia Ribeiro na 11ª Siiepe

Multiplicidade de conceitos e perspectivas de autoras e autores negros, comumente silenciados nos espaços acadêmicos, foi apresentada na 11ª Semana Integrada de Inovação, Ensino, Pesquisa e Extensão (Siiepe) da Universidade Federal de Pelotas (UFPel). A reflexão compartilhada pela pesquisadora Katiúscia Ribeiro, durante a programação de terça-feira (21) no Pelotas Parque Tecnológico, defende a ideia de inclusão na Universidade para além da reserva de vagas em processos seletivos. Uma Instituição de Ensino — e uma sociedade — realmente inclusiva centra-se no acolhimento de outras formas de produção do conhecimento, saberes e existências milenares, apagados pela lógica colonialista: a dominação de uma cultura sobre a outra.

“A Universidade precisa abrir a escuta para pensar outros modelos de conhecimento”, resume a “mulher preta, quilombola e gaúcha”, como ela se define para marcar a sua representação identitária muitas vezes não reconhecida no Rio Grande do Sul. A palestrante é professora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP) e apresentadora de televisão: “O futuro é ancestral”.

Criada em comunidade quilombola em Canguçu, ela considera que as características da vivência nessa forma de organização do território, baseada na vida comunitária, na empatia, no respeito à natureza e à ancestralidade, são necessárias para a sociedade e a Universidade. “O quilombo não é um espaço de negro fugido. É um espaço de  reorganização territorial […]. Pensar na inclusão é pensar no quilombo. Pensar no quilombo é pensar em todo mundo”, ensina, ao explicar a oposição das filosofias africanas ao machismo, ao racismo, à homofobia, à transfobia, entre outras formas de exclusão e violência.

Conhecimento e humanidade assassinados 


Entre os diversos conceitos em “confluência” em sua apresentação (conceito de Nêgo Bispo para definir a convivência entre seres e ideias, sem a perda de sua essência), a pesquisadora defende a legitimidade dos saberes ancestrais ao denunciar o seu “epistemicídio” pela sociedade, isto é, o assassinato de outras formas de ver o mundo. O termo criado por Sueli Carneiro associa “episteme”, palavra de origem grega para “conhecimento”, com o sufixo “cídio”,  que denota o “ato de matar”, a exemplo do vocábulo “homicídio”.

A morte do conhecimento, explica, ocorre quando apenas uma perspectiva sobre o mundo é admitida. “Se a Universidade está comprometida com a inclusão precisa ouvir outros sotaques. Sair do eurocentrismo”, critica, em referência à noção de superioridade comumente atribuída à civilização europeia.

A centralização da cultura e do pensamento dominante europeu é percebida na Universidade; nesse espaço, ainda se reproduz o modelo colonial, com seus olhares sobre o mundo e métodos científicos sustentados majoritariamente pela perspectiva de homens brancos originários daquele continente. “[Esse modelo] não reconhece outros corpos, outras narrativas, outras filosofias”, lamenta, ao referenciar que a filosofia não é atributo necessariamente acadêmico: são formas de ver o mundo. “Pensar a vida é produzir filosofia”, ensina.

Quando se assume que o conhecimento é exclusivo do Ocidente, explica a pesquisadora com base no filósofo Mogobe Ramose, cria-se um modelo de humanidade. As consequências são o apagamento da memória e da identidade, o reforço ao racismo e a anulação da existência de saberes produzidos por outros povos. O “epistemicídio”, alerta Katiúscia, antecede outras formas de violência, inclusive a física.

Essa também é uma condição silenciosa para o genocídio, segundo a compreensão do pensador Abdias Nascimento: “Quando a sociedade não escuta o saber, a gente potencializa o genocídio”. Nessa concepção filosófica, o genocídio também significa dizimar a cultura, a língua, a história, os saberes e as subjetividades. Dessa forma, o recado de Katiúscia às Universidades e à sociedade é taxativo: “Pensar inclusão sem pensar epistemologia [as formas de produção do conhecimento] não é pensar em inclusão”.

A solução indicado é a adesão ao movimento de “contracolonialismo”, na concepção de sociedade “apartada da colônia”, de Nêgo Bispo. “É você querer me colonizar e eu não aceitar”, explica. Nessa busca por reconhecimento dos saberes ancestrais, Katiúscia comemora a previsão legal (2003) para inserção nos currículos escolares conteúdos sobre História da África e de sua população, a cultura negra brasileira e a sua luta por justiça social, entre outros temas historicamente ocultados na educação formal.

Publicado em 22/10/2025, nas categorias Destaque, Notícias.
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