SIIEPE: Impacto da internacionalização em ensino, pesquisa, extensão e inovação é tema da palestra de abertura
A internacionalização em seus diferentes aspectos – e seus reflexos em ensino, pesquisa, extensão e inovação nas instituições de ensino superior – foi a tônica da palestra de abertura da 9ª Semana Integrada de Inovação, Ensino, Pesquisa e Extensão (SIIEPE) da Universidade Federal de Pelotas (UFPel). Os convidados Gonzalo Vicci Gianotti (Universidade da República do Uruguai), Ana Qiao Jianzhen (Universidade Normal de Hebei – China) e Renata Bielemann (UFPel) debruçaram-se sobre o assunto no Auditório do Sicredi nesta segunda-feira (20), para apreciação do público presente e também virtual. A palestra pode ser assistida na íntegra no canal da UFPel no YouTube.
Na edição deste ano, a SIIEPE traz o tema “Internacionalização Universitária: avaliação, impactos e interfaces entre ensino, pesquisa, extensão e inovação”. O evento busca ampliar a reflexão a respeito da internacionalização no ensino superior, além de apresentar, expandir e fortalecer as ações da UFPel com parceiros internacionais. A SIIEPE pretende dar ênfase à internacionalização em casa, com o fortalecimento de uma política linguística voltada ao multilinguismo e currículos internacionalizados, que valorizem a diversidade cultural no ambiente universitário e o estímulo à formação de cidadãos globais.
Pela primeira vez visitando a região Sul do país, a professora Ana Qiao Jianzhen falou sobre o estudo de difusão das línguas e culturas portuguesa e chinesa tanto no Brasil quanto na China. Fazendo um resgate histórico que começou no século 16, com a chegada de portugueses na nação oriental, a docente destacou que o ensino de línguas estrangeiras na China é ainda muito passivo, mas tem se tornado mais ativo atualmente. Se no século 16 as aulas são dadas por missionários, no século 19 aparecem os institutos e no século 20 chega a reforma econômica que traz o ensino da língua inglesa nas escolas primária e secundária. De acordo com ela, o primeiro curso de português na China foi criado em 1960, por um casal de jornalistas brasileiros. “Infelizmente, o português na China hoje em dia continua sendo uma língua de minoria, mas está crescendo muito”, disse. Segundo ela, há professores estrangeiros, mas a maioria é chinês.
A convidada também falou sobre as relações iniciais entre China e Brasil, começando pela chegada dos primeiros chineses aqui, no século 19, passando por tratados de amizade e comércio e estabelecimento oficial de relações diplomáticas entre os dois países, em 1974. Ana também explanou sobre projetos do Instituto Confúcio, do qual é uma das diretoras, e ações para o futuro, como formação de professores locais para promover a língua chinesa no Brasil; o envio de mais bolsistas à China; promoção de intercâmbio educacional, cooperação e treinamento de recursos humanos em diferentes áreas e modalidades; melhoria na qualidade dos programas de cooperação existentes; e aprimoração dos estudos e entendimento mútuo de Brasil e China. “O caminho é longo, não é fácil, mas nessa área de ensino de línguas há um futuro brilhante”, assegurou. A professora finalizou abordando a aproximação com a UFPel, que tem possibilitado conferências e palestras, cursos de idiomas e cultura e mobilidade acadêmica, projetando novas ações para 2024, ano do 50º aniversário das relações diplomáticas entre China e Brasil. “Temos muitas possibilidades”, adiantou.
Na sequência, Gonzalo Vicci Gianotti falou sobre a Udelar, universidade grande em um país pequeno, centralizada na capital, mas com sedes espalhadas pelas fronteiras. Segundo ele, até os anos 1990 e 2000, a internacionalização não era um tema presente na instituição – o assunto era apenas vinculado à cooperação internacional. Segundo ele, o planejamento estratégico de internacionalização ainda é pendente em muitos países do hemisfério Sul, em especial a Udelar, que vem buscando fazer essa discussão. Em sua avaliação, as universidades públicas têm uma agenda de necessidades na qual a internacionalização não está como prioridade. “A gente sente que a questão estratégica leva a discutir quais seriam as ações e objetivos para fazer internacionalização. Para quê um país do Sul, com os problemas que têm as universidades do Sul, tem que fazer internacionalização?”.
De acordo com Gonzalo, as motivações passam por várias dimensões: econômica (renda e vantagens competitivas na produção nacional), que envolve recrutamento de estudantes do exterior; política (desenvolvimento de paz, cidadania, segurança nacional, entre outros pontos), que demanda desenvolver currículos focados em problemas globais, criar centros de pesquisa e ensino com foco na redução da pobreza, mudança climática e conflitos mundiais; sociocultural (foco no desenvolvimento de cidadania global e competências interculturais com vistas à promoção de valores comuns, preparando estudantes para o mundo globalizado, melhorar a empregabilidade e fortalecer o desenvolvimento social), cujas ações podem ser o desenvolvimento de intercâmbio docente e discente, ensino e aprendizagem de língua estrangeira e programas de intercâmbio cultural. O convidado também citou a dimensão acadêmica, científica e tecnológica, com foco em acesso a laboratórios, material de pesquisa e pesquisadores de alto nível, difundir e exportar inovações produzidas na instituição, cujas estratégias passam por alto investimento em tecnologia de ponta, uso da tecnologia para ampliar o acesso à educação por meio da educação a distância e parcerias estratégicas; e a dimensão institucional, aquela que coloca o foco em melhorar a reputação internacional e competitividade, posição em rankings de universidades, com capacitação e desenvolvimento de pessoal acadêmico. “Que modelo você vai usar na sua universidade? Com certeza uma mistura desses. Não é possível focar somente em um. Sempre que a gente discute internacionalização na América do Sul, em particular no Sul do Sul, corremos alguns riscos. O maior é tentar aplicar modelos que funcionam para regiões do mundo que não são essa. É preciso olhar os modelos, interpretá-los e adaptar às nossas realidades”, salientou.
Segundo ele, não há soluções, somente possibilidades, que apenas o trabalho em parceria entre as universidades da região vai possibilitar. “A internacionalização não pode ser planejada em temáticas que não estejam vinculadas diretamente com os problemas da nossa sociedade, que é quem financia as possibilidades de existência da universidade”, destacou.
Na UFPel
A coordenadora de Relações Internacionais da UFPel, Renata Bielemann, falou sobre o planejamento estratégico da UFPel na área e como ocorreu o avanço em cinco anos, como forma de prestação de contas à comunidade.
A UFPel, disse, criou seu plano de internacionalização em 2018, seguindo uma provocação externa: o edital Capes Print, que fomenta ações de internacionalização e exigia o documento. A proposta da UFPel na ocasião recebeu elogios e a instituição foi uma das 36 contempladas.
Renata detalhou como foi elaborado o plano, passando por análise de prós e contras de ambientes interno e externo da UFPel, e apresentou as seis linhas gerais da visão institucional sobre internacionalização: difundir a ideia de que a internacionalização é um meio para qualificar as atividades-fins acadêmicas; contextualizar a internacionalização de acordo com o papel social e regional da Universidade, com ênfase nas relações de fronteira e com países vizinhos; priorizar ensino, pesquisa e extensão em temas de interesse global e impacto local, como desenvolvimento sustentável, energias renováveis, equidade social e desenvolvimento humano; viabilizar parcerias e ações de acordo com a demanda oriunda das áreas do conhecimento, das áreas temáticas de extensão e das Unidades Acadêmicas; propiciar uma ambiência de internacionalização à comunidade acadêmica da UFPel e toda a comunidade de Pelotas e região por meio de ações de ensino, pesquisa, inovação, extensão e cultura; e oportunizar aos acadêmicos da UFPel um ambiente de ensino e vivência internacional, com oportunidades para abordagem de questões globais, possibilidades de estudo de línguas estrangeiras e acesso a disciplinas e currículos internacionalizados.
A partir daí, explicou, sete metas, com objetivos e indicadores, foram estabelecidos: aumentar e facilitar a internacionalização na UFPel; promover e fomentar uma ambiência acadêmica internacional na UFPel; aumentar a presença de estudantes, professores e corpo técnico internacional na UFPel em todos os níveis acadêmicos; promover e ampliar as parcerias internacionais estratégicas para a UFPel; preparar os estudantes para desempenhar papel de liderança em seu contexto social e regional, mas com referência nas necessidades globais; promover ensino, pesquisa, extensão e inovação em perspectiva inovadora e contextualizada com as necessidades globais, considerando as particularidades locais e regionais; e incorporar de forma estratégica à cultura da UFPel os conhecimentos e as estratégias adquiridas no exterior por alunos e servidores.
Dentre as ações apresentadas por Renata estão novo site com acesso às informações sobre internacionalização de forma mais facilitada, programas como Amigo Universitário, promoção de workshop para docentes sobre inglês como meio de instrução, ações na área de política linguística para internacionalização (como aulas de português para estrangeiros), resolução que facilita contratação de professores estrangeiros na Universidade, ofertas de disciplinas transversais na pós-graduação, disciplinas com participação internacional, além de perspectivas de avançar em programas em rede.
A coordenadora falou ainda sobre as barreiras internas e externas para a implementação do planejamento estratégico e perspectivas de futuro, como uma pesquisa diagnóstica que busca entender se a comunidade acadêmica sabe como está sendo feito o processo de internacionalização.
Internacionalização e consciência negra
Ao abrir o evento, a reitora da UFPel, Isabela Andrade, saudou de forma especial os estudantes de graduação e pós-graduação, servidores, pessoas de fora da Universidade e parabenizou a comissão organizadora. A gestora disse que recentemente a UFPel foi representada em missões fora do país, nas quais muitas falas foram em relação à importância da Universidade e as ênfases que devem ser trabalhadas em ensino, pesquisa, extensão, mas também na inovação e na internacionalização. “Desde março deste ano nós estamos trabalhando, pensando, projetando essa Semana Integrada e já com o viés da temática da internacionalização, mostrando a nossa visão de atentarmos para esse tema, que é tão relevante e que vem sendo destacado em todos os eventos que temos participado”, afirmou.
A gestora também destacou os números da SIIEPE, que vem crescendo desde 2019 e neste ano chegou ao recorde de participantes (10,9 mil pessoas) e trabalhos apresentados (3,9 mil). “Para nossa alegria, e para demonstrar o sucesso desse evento e sua importância para a comunidade”, pontuou. A reitora destacou ainda que a partir dessa gestão a SIIEPE passou a ser gratuita, desde que as atividades presenciais foram retomadas. “Isso para nós é uma entrega para a nossa comunidade. A nossa Universidade pública, gratuita e de extrema qualidade oferta seu maior evento de forma gratuita”.
Isabela ainda agradeceu o trabalho dedicado de monitores e monitoras que atuam ao longo da semana nas salas, os avaliadores de trabalhos e as equipes das pró-reitorias pela organização de cada um dos congressos que compõem a SIIEPE.
Finalizando sua fala, a reitora fez alusão do Dia da Consciência Negra, que está sendo comemorado na UFPel com diversas atividades ao longo de novembro. “Nós sabemos que ainda temos muitas lacunas e muitas fragilidades no que tange a essa temática, mas temos trabalhado bastante e nos empenhado para que de fato a gente consiga implementar políticas no sentido de valorizar e dar a devida referência que é tão importante para todas as pessoas, principalmente para as pessoas negras que por tanto tempo estiveram à parte da nossa comunidade e Universidade”, disse.
A vice-reitora e coordenadora da SIIEPE, Ursula Rosa da Silva, falou sobre a temática do evento e disse que a união na palavra “internacionalização” é o modo como é preciso olhar para o mundo. “Todas as relações que a gente possa fazer com outras universidades do mundo precisam ser orientadas por questões emergentes, pelos desafios que nós, enquanto universidade, espaço de formação, precisamos considerar. E nós temos muitos desafios”, disse. De acordo com ela, a internacionalização precisa tratar de inclusão, direitos humanos, diversidade, igualdade de gênero, sustentabilidade, saúde do planeta e saúde ecológica. “Essas temáticas são transversais, alinhavadas naquilo que a gente chama de internacionalização”.
A vice-reitora também agradeceu às diversas equipes e grupos envolvidos na organização do evento, desde direções e coordenações até portaria, vigilância e limpeza, passando por atores da comunidade acadêmica e da comunidade externa, da mesma forma aludindo ao orgulho pela superação do número de inscrições. Ursula também ressaltou a comemoração dos 55 anos da UFPel, que iniciaram neste ano e prosseguem no próximo, informando que na noite desta segunda-feira (20) foi lançado o primeiro fascículo de uma série de 12 que contarão a história da Universidade. O material estará disponível de forma virtual e também na Livraria da UFPel. Um e-book comemorativo também será lançado no próximo ano.
Ursula também destacou o Dia da Consciência Negra e disse que as formaturas institucionais nos últimos tempos têm refletido que os estudantes negros já estão ocupando um maior espaço. “Estamos vendo que é possível e as cotas estão dando conta do atendimento que a lei tem nos colocado. Precisamos melhorar nosso acesso e nossa inclusão. Isso é uma pauta constante”, disse. Ela também falou sobre o processo seletivo de docentes, recentemente reformulado com uma nova perspectiva de bancas e procedimentos avaliativos especificados. De 2015 a 2021 houve nove professores ingressantes em todos os processos de concurso – 47 vagas sobraram. A partir dessas mudanças, nos concursos de 2022 e 2023, houve dez docentes, com 100% de aproveitamento das vagas colocadas para concurso nas cotas. “Mas nós queremos ir além. Estamos estudando uma política para que ao longo do tempo essas 47 vagas que sobraram dos processos anteriores sejam preenchidas. Teremos novidades em breve a respeito disso”, adiantou.
Coral fez a abertura
Projeto de extensão mais longevo da instituição, o Coral da UFPel foi responsável pela abertura do encontro. Para a ocasião, apresentou repertório vocal à capela, com canções do repertório popular e com base em matrizes tradicionais brasileiras e latino-americanas.
O Coral celebra 50 anos ininterruptos de atividade este ano e, em consonância com o espírito de integração da SIIEPE, o grupo é formado por estudantes, docentes, técnico-administrativos e comunidade pelotense. A coordenação é do professor Leandro Maia.
Palestrantes
Ana Qiao Jianzhen atua junto ao Departamento de Português da Universidade Normal de Hebei, na área de Língua e Cultura Portuguesa e Chinesa, além de ser diretora chinesa do Instituto Confúcio, vinculado à Universidade Federal Fluminense.
Gonzalo Vicci Gianotti é presidente do Serviço de Relações Internacionais da Universidade da República do Uruguai (Udelar), delegado assessor da universidade na Associação das Universidades do Grupo Montevidéu, professor titular na área de Fotografia, Cinema e Vídeo na Faculdade de Artes e integrante do grupo de investigação Núcleo de Cultura Visual.
Renata Bielemann é graduada em Educação Física e Nutrição pela UFPel com mestrado e doutorado em Epidemiologia também na UFPel, estágio pós-doutoral no Instituto de Saúde Pública da Universidade da Califórnia. Professora da Faculdade de Nutrição, atuando no Programa de Pós-Graduação em Nutrição e Alimentos e também como pesquisadora do PPG em Epidemiologia da UFPel. Atualmente é coordenadora de Relações Internacionais da UFPel e diretora do Colégio de Gestores de Relações Internacionais da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes). Faz parte do Comitê Gestor do Projeto Capes Print da UFPel e é bolsista de produtividade em pesquisa do CNPq.
A Semana Integrada
A SIIEPE congrega o 7º Congresso de Inovação Tecnológica (CIT), o 9º Congresso de Ensino de Graduação (CEG), o 10º Congresso de Extensão e Cultura (CEC), o 25º Encontro de Pós-Graduação (ENPOS) e o 32º Congresso de Iniciação Científica (CIC).
São mais de 10,9 mil pessoas inscritas e 3.941 produções que serão apresentadas durante os cinco dias de evento.
Além das tradicionais apresentações orais, a SIIEPE tem em sua programação palestras, painéis temáticos, apresentações performativas, mostra artística e o “Sua Tese em Três Minutos” – desafio de apresentação, em três minutos, dos resultados de teses de doutorado para um público alheio à linguagem científica. A programação completa pode ser acessada aqui.