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Pesquisa da UFPel aborda violência doméstica na Comarca de Pelotas

A partir do Programa de Pós-Graduação em História (PPGH), da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), uma dissertação de mestrado abordou narrativas de réus em ações penais que tramitaram no Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher na comarca de Pelotas e este estudo gerou o início de uma pesquisa de doutorado feita com base na análise de processos judiciais de feminicídios consumados e tentados e de entrevistas com vítimas sobreviventes de tentativas de feminicídio.

Atualmente, a pesquisadora responsável pelo desenvolvimento destes trabalhos, está em busca de fontes para a nova pesquisa com mulheres vítimas de tentativa de feminicídio com processos judiciais tramitando no Fórum de Pelotas, com crimes a partir do ano de 2014 e que tiverem interesse em participar, podem entrar em contato pelo e-mail: elisianemchaves@hotmail.com ou whatsapp: (53) 9127-3157. Todo o estudo será feito de forma anônima, não envolvendo nenhuma forma de identificação da vítima.

Sobre a pesquisa com réus julgados por violência doméstica

A pesquisa de mestrado buscou entender a mente dos agressores e, através disso, perceber quais políticas de combate à violência podem ser melhoradas. O estudo detalhado pode ser acessado em http://guaiaca.ufpel.edu.br:8080/handle/prefix/4337

A pesquisa autorizada pelo Juizado da Violência Doméstica, contou ao todo com a entrevista de 18 réus atendidos pela Defensoria Pública do Estado e que compartilharam seus relatos voluntariamente, firmando um termo de cessão assinado.

O anonimato das fontes foi mantido, usando como base do estudo os processos judiciais dos agressores e seus relatos individuais. Neste sentido, o trabalho buscou observar o comportamento violento manifestado por cada um e sua versão sobre os crimes que estavam sendo acusados.

Os questionamentos realizados aos réus, buscaram entender quais eram suas percepções sobre a forma que as relações entre homens e mulheres deveriam ser. O conteúdo das perguntas envolvia dificuldades enfrentadas na infância, convivência com amigos, família, valores aprendidos no convívio social, a forma que enxergavam relacionamentos e situações de violência doméstica.

A partir dos relatos e da análise documental dos processos judiciais de cada réu, o estudo buscou identificar quais dos atos cometidos pelos agressores estão elencados na Lei Maria da Penha, analisando a versão de cada réu sobre a violência cometida, associando a pena judicial aplicada com a sentença judicial e criando uma distinção de cada réu através de idade, escolaridade, profissão e possíveis vícios.

Tendo em vista os 18 casos analisados, a pesquisa construiu uma “história” sobre cada réu, considerando depoimentos das vítimas, dos réus, testemunhas e sentenças.

Em meio aos entrevistados estavam homens entre 25 a 49 anos, que passavam por ações penais referentes à violência doméstica, por cometerem crimes que variavam entre lesões corporais, ameaças e crimes contra a liberdade pessoal.

A coleta de dados da pesquisa ocorreu no ano de 2016, neste período, a sentença das ações penais acompanhadas no Tribunal eram as seguintes: 13 absolutórias, 4 condenatórias e uma aguardava a sentença.

Falhas do poder público na proteção das vítimas

No cenário pesquisado, o estudo apontou que historicamente sentenças absolutórias no Juizado da Violência Doméstica em Pelotas, são justificadas pela ausência de provas quanto ao comportamento criminoso dos homens. Mas com base em referencial teórico, foi possível perceber que diversas decisões podem ser baseadas no conceito de preservação da família e do casamento, colocando de lado a proteção das mulheres e não encerrando o ciclo de violência contra as vítimas.

A autora da pesquisa e historiadora, Elisiane Medeiros Chaves, explica que a frequência de absolvições dos réus julgados por violência doméstica, gera uma sensação de injustiça nas vítimas e enfraquece a confiança no Judiciário, desencorajando a denúncia contra seus agressores, além de banalizar a lei no ponto de vista dos agressores. “Conforme dito por réus entrevistados, por saberem que as penas são baixas e que em muitos casos não há punibilidade, enxergam a Lei Maria da Penha como uma lei que já está banalizada e por isso não a respeitam, o que também explica os altos índices de mulheres que ainda sofrem violências”, destaca.

Já nas condenações são verificadas a aplicação recorrente de penas brandas aos réus, estabelecendo poucos meses de punição aos agressores. A pesquisa aponta que períodos maiores de privação de liberdade podem influenciar a mudança na conduta dos homens e contribuir para que a agressão contra sua companheira não ocorra novamente. Contudo, apenas o encarceramento e confinamento não são providências suficientes para diminuir a violência e a criminalidade.

Desta forma, é necessária a adoção de medidas que modifiquem o pensamento e a mentalidade dos agressores, protegendo as mulheres da repetição sucessiva destes atos.

Apesar da reeducação de todos os agressores sem distinção das penas ser previsto em lei, o estudo verificou que pela ausência de condições melhores em Pelotas se consegue prestar um atendimento apenas aos réus primários ou que não tenham condenação à pena de prisão. Neste sentido, réus que cometerem crimes graves, não têm a possibilidade de refletir sobre suas atitudes em relação às mulheres, criando uma abertura para a repetição de um novo crime.

Porém, o estudo enfatiza que mesmo que o número de homens atendidos seja ampliado, não há garantia de que eles não voltem a agredir uma mulher, mas o intuito de evitar a repetição desses atos é essencial e não deve ser desconsiderado.

Cultura do machismo

Além disso, a pesquisa observou que em todas as entrevistas, que os réus aprenderam desde a infância, que homens e mulheres têm comportamentos diferentes, lembrando que a posição de uma mulher deve ser de submissão e obediência na sociedade. Desta forma, a violência pode ser atribuída a uma resposta adequada do papel do homem em sociedade, punindo a mulher e restabelecendo a ordem natural das coisas.

A historiadora ressalta ser evidente a predominância do machismo na fala dos entrevistados e o ensinamento desde a infância, que o papel do homem é comandar a relação. “Nossa sociedade ainda está permeada por ensinamentos e comportamentos machistas, os quais fazem parte de muitas relações afetivas, o que pode explicar a permanência da violência contra as mulheres. E isso precisa ser combatido, tanto pela própria sociedade quanto pelo Estado”, disse.

Por fim, o trabalho aponta que apesar da existência de políticas de proteção à mulher, elas não são executadas ou quando feitas, são de uma forma mínima diante da urgência de combate à violência, não gerando a transformação cultural e social necessária.

A professora e orientadora da pesquisa, Lorena Almeida Gill, evidencia a importância e necessidade do desenvolvimento de pesquisas voltadas para a violência de gênero. “O trabalho da Elisiane mostra o engajamento de uma pesquisadora que para além do fazer histórico, é uma mulher que tem posições políticas claras em defesa do feminismo e as defende cotidianamente.”, disse.