Estudo testa incluir exame de HPV como estratégia contra câncer de colo uterino no SUS
Teste de HPV a partir de autocoleta deve aumentar cobertura de exames de prevenção e detecção precoce de casos de câncer de colo do útero; objetivo é implementar rede de acesso ao teste em serviços do SUS responsáveis pela assistência a mulheres que vivem com HIV
Descrito por especialistas como o único câncer que pode ser prevenido por meio de exames de rotina e vacina, o câncer de colo do útero é, ainda, a quarta causa de morte de mulheres por câncer no Brasil, de acordo com dados mais recentes do Instituto Nacional do Câncer (Inca). Em todo o mundo, nove em cada dez mulheres que morrem da doença vivem em países de baixa e média renda – estatísticas que revelam a estreita relação dos óbitos com as condições sociais de acesso a programas de prevenção e controle do câncer de colo do útero.
Para contribuir com o enfrentamento desse problema de saúde pública, um estudo piloto, coordenado pelo Centro de Pesquisas Epidemiológicas da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), irá testar um novo método de detecção precoce da doença na rede pública, com a participação de centros ambulatoriais de atendimento a mulheres vivendo com HIV em oito cidades brasileiras: Pelotas (RS), São José (SC), Juiz de Fora (MG), Brasília (DF), Vitória (ES), São Paulo (SP), Salvador (BA) e Manaus (AM).
A pesquisa utiliza um teste de biologia molecular que detecta a presença do agente causador de mais de 90% das lesões que levam ao câncer de colo uterino: o vírus HPV (sigla em inglês para papilomavírus humano). As análises são feitas com base em amostras de secreção vaginal coletadas pelas próprias pacientes. O resultado do teste, também conhecido por teste de DNA-HPV, identifica os subtipos de alto risco do vírus, relacionados com o desenvolvimento de câncer, e os subtipos de baixo risco, mais associados com o surgimento de verrugas genitais.
“Como a infecção por HPV tem relação direta com o câncer de colo de útero, uma das vantagens do teste é identificar a presença e o potencial cancerígeno do vírus, mesmo em mulheres sem lesões. Essa detecção e genotipagem antecipadas desempenham papel importante na definição da terapia e do tipo de acompanhamento a ser adotado. Além disso, o método diminui o risco de resultados falso-negativos. Na prática, se o resultado der negativo, é seguro afirmar que a mulher estará livre de lesões por um período aproximado de cinco anos”, explica a coordenadora do estudo, Mariângela Freitas da Silveira, docente do Programa de Pós-Graduação em Epidemiologia da UFPel.
A infecção por HPV é a doença mais frequente transmitida pelo sexo, devido à alta transmissibilidade do vírus – maior do que a dos vírus do herpes genital e do HIV. Para se ter uma ideia, as estimativas são de que oito em cada dez pessoas sexualmente ativas irão se infectar em algum momento de suas vidas. Dentre elas, 2% a 5% das mulheres desenvolvem lesões cancerígenas de colo do útero. No entanto, aquelas que possuem o sistema imunológico debilitado estão em maior risco de infecção persistente e de infecção por tipos de alto potencial cancerígeno. Mulheres que vivem com HIV, por exemplo, correm risco de quatro a cinco vezes maior de desenvolver câncer de colo uterino decorrente da infecção por HPV. Outros fatores de risco individuais para aparecimento de lesões são tabagismo, desnutrição, outros cânceres e uso de medicamentos imunossupressores.
Como funciona o estudo
Com base nessas evidências, o estudo irá incluir 278 mulheres que têm cadastro nos programas de assistência do Sistema Único de Saúde (SUS) a pessoas vivendo com HIV, atendidas em cada um dos ambulatórios que integram a pesquisa. Na cidade de Pelotas, o recrutamento será realizado no Ambulatório do Serviço de Atendimento Especializado (SAE) da UFPel, tendo como responsável local a médica Aline Scherer. Podem participar mulheres que vivem com HIV, estejam na faixa etária entre 18 e 64 anos e já tenham mantido relações sexuais, com exceção de gestantes, pacientes histerectomizadas ou diagnosticadas previamente com câncer ginecológico. As mulheres interessadas em realizar o exame e participar da pesquisa podem se dirigir ao SAE de segunda a sexta-feira, nos turnos manhã e tarde.
“Há uma conscientização crescente sobre o papel estratégico que os programas de HIV existentes podem desempenhar na expansão dos serviços de prevenção do câncer de colo de útero”, acrescenta Silveira.
As mulheres que aceitarem participar da pesquisa receberão instruções e folheto explicativo sobre como realizar a coleta, junto com o kit de coleta cérvico-vaginal individual. O exame é simples: a autocoleta possibilita que mulheres realizem sozinhas, em banheiro ou sala privativa, a retirada de material vaginal, utilizando hastes flexíveis próprias para este fim. Após o teste, as participantes irão responder a um questionário sobre questões socioeconômicas, situação geral de saúde e facilidade de uso do kit. As participantes que estiverem com exame Papanicolau atrasado serão encaminhadas ao Serviço de Ginecologia para a realização deste exame.
As amostras autocoletadas serão submetidas ao teste DNA-HPV para detecção qualitativa do material genético, com discriminação dos resultados em 19 genótipos de alto risco (16, 18, 26, 31, 33, 35, 39, 45, 51, 52, 53, 56, 58, 59, 66, 68, 69, 73 e 82) e nove de baixo risco (6, 11, 40, 42, 43, 44, 54, 61 e 70).
Os pesquisadores irão avaliar diferenças de cobertura para o rastreio de câncer de colo uterino entre a testagem para HPV de forma ativa e o citopatológico de rotina, ou Papanicolau. Será ainda investigada a receptividade do método de autocoleta de amostras vaginais para o teste de DNA-HPV entre pacientes e profissionais de saúde.
Hoje, o exame Papanicolau consiste na única ferramenta de rastreamento do câncer do colo do útero desde a introdução do método no programa a partir dos anos 70. A análise citológica do esfregaço cervical coletado pelos profissionais de saúde permite detectar alterações nas células, não o vírus em si.
“A relação causal entre a infecção por HPV de alto risco e lesões pré-cancerosas ou câncer cervical levou ao desenvolvimento de estratégias para aumentar o desempenho do rastreamento e prevenção desse tipo de câncer. A pesquisa de material genético do HPV por autocoleta surge como uma aliada no enfrentamento desse problema de saúde pública, devido aos maiores níveis de eficácia e a dispensa de estrutura e profissionais especializados para a coleta do material. Os dados de nosso estudo devem subsidiar cientificamente os critérios para implementação de testes de biologia molecular para detecção de HPV no âmbito do SUS”, conclui a pesquisadora.
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Projeto “Implantação da rede de serviços para acesso a testes de biologia molecular para detecção de Papilomavírus em mulheres vivendo com o HIV no âmbito do SUS”.
Coordenação-geral: Mariângela Freitas da Silveira