Bilhões de pessoas no mundo são privadas do direito à água
O acesso à água e ao saneamento é reconhecido internacionalmente como um direito humano. Ainda assim, mais de 2 bilhões de pessoas não dispõem dos serviços mais básicos. O último Relatório Mundial das Nações Unidas sobre Desenvolvimento dos Recursos Hídricos, “Não deixar ninguém para trás”, explora os sinais de exclusão e investiga formas de superar as desigualdades. O Relatório foi lançado no dia 19, em Genebra, na Suíça, durante a 40ª Sessão do Conselho de Direitos Humanos, antes do Dia Mundial da Água, celebrado nesta sexta-feira (22).
Em 2010, a Assembleia Geral das Nações Unidas aprovou uma resolução que reconheceu “o direito à água potável segura e limpa e ao saneamento como um direito humano” e, em 2015, o direito humano ao saneamento foi reconhecido de forma explícita como um direito distinto. Esses direitos obrigam os Estados a agirem rumo à obtenção do acesso universal à água e ao saneamento para todos, sem discriminação, ao mesmo tempo em que devem dar prioridade às pessoas mais necessitadas. O Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) 6 da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável também visa a garantir a gestão sustentável e o acesso à água e ao saneamento para todos até 2030.
Porém, apesar dos progressos significativos obtidos nos últimos 15 anos, esse objetivo é inalcançável para grande parte da população mundial. Em 2015, três entre dez pessoas (2,1 bilhões) não tinham acesso à água potável segura, e 4,5 bilhões de pessoas, ou seis entre dez, não tinham instalações sanitárias geridas de forma segura. O mundo ainda está fora do caminho para alcançar esse importante objetivo.
“O acesso à água é um direito vital para a dignidade de todos os seres humanos”, declarou a diretora-geral da UNESCO, Audrey Azoulay. “Ainda assim, bilhões de pessoas continuam sendo privadas desse direito. A nova edição do Relatório Mundial das Nações Unidas sobre Desenvolvimento dos Recursos Hídricos mostra que a determinação coletiva para avançar, bem como esforços para incluir aqueles que foram deixados para trás no processo de tomada de decisões, são fatores que podem transformar esse direito em realidade”.
“Os números falam por si. Como mostra o Relatório, se a degradação do meio ambiente natural e a pressão insustentável sobre os recursos hídricos mundiais continuarem a ocorrer nas taxas atuais, 45% do Produto Interno Bruto (PIB) mundial e 40% da produção mundial de grãos estarão em risco até 2050. As populações pobres e marginalizadas serão afetadas de forma desproporcional, aumentando ainda mais as desigualdades crescentes […] O Relatório de 2019 fornece evidências da necessidade de se adaptar as abordagens, tanto nas políticas quanto na prática, para tratar das causas da exclusão e da desigualdade”, disse Gilbert F. Houngbo, diretor da UN-Water e presidente do Fundo Internacional de Desenvolvimento Agrícola (FIDA).
Grandes disparidades entre os ricos e os pobres
Esses dados escondem disparidades significativas. Em escala mundial, metade das pessoas que bebem água retirada de fontes não seguras vivem na África. Na África Subsaariana, apenas 24% da população têm acesso à água potável segura, e 28% têm instalações sanitárias básicas que não são compartilhadas com outras residências.
Discrepâncias importantes quanto ao acesso existem até mesmo dentro dos países, de forma clara entre os ricos e os pobres. Em áreas urbanas, as pessoas desfavorecidas que vivem em acomodações improvisadas sem água corrente muitas vezes pagam de 10 a 20 vezes mais do que seus vizinhos em bairros mais ricos por uma água de qualidade similar ou inferior comprada de vendedores ou de caminhões-pipa.
O direito à água, como explicam os autores do Relatório, não pode ser separado de outros direitos humanos. Na verdade, aqueles que são marginalizados ou discriminados por causa de seu gênero, idade, status socioeconômico, ou por sua identidade étnica, religiosa ou linguística, também têm maior probabilidade de ter um acesso limitado a água e saneamento adequados.
Quase metade das pessoas que bebem água retirada de fontes desprotegidas vivem na África Subsaariana, onde o encargo da coleta recai principalmente sobre as mulheres e meninas, muitas das quais gastam mais de 30 minutos em cada viagem para buscar água. Sem água e saneamento seguros e acessíveis, essas pessoas provavelmente enfrentarão múltiplos desafios, incluindo saúde e condições de vida precárias, desnutrição e falta de oportunidades de educação e emprego.
Refugiados são especialmente vulneráveis
Os refugiados e pessoas deslocadas internamente com frequência enfrentam sérios obstáculos para ter acesso ao fornecimento de água e a serviços sanitários, e a quantidade de pessoas nessas situações é mais alta do que nunca. Em 2017, conflitos e perseguições forçaram 68,5 milhões de pessoas a fugirem de seus lares. Além disso, uma média anual de 25,3 milhões são forçadas a migrar por causa de desastres naturais, o dobro de pessoas na mesma situação no início da década de 1970 – espera-se que esse número aumente ainda mais devido à mudança climática.
São necessárias políticas inclusivas para se alcançar o ODS 6. Elas também são necessárias para neutralizar conflitos entre diferentes usuários da água. Em um contexto de demanda crescente (1% de crescimento anual desde a década de 1980), o Relatório observa um aumento significativo dos conflitos relacionados à água: 94 de 2000 até 2009, e 263 de 2010 até 2018.
O Relatório também demonstra que investir em fornecimento de água e saneamento faz sentido em termos econômicos. O retorno do investimento é alto em geral e também no caso específico das pessoas vulneráveis e desfavorecidas, especialmente quando são considerados benefícios mais amplos, como saúde e produtividade. O fator multiplicador para o retorno do investimento foi estimado mundialmente em 2 para a água potável, e em 5,5 para o saneamento.
América Latina e Caribe
Em 2015, 65% da população da América Latina e do Caribe tinham acesso a serviços de água potável gerenciados de forma segura, mas apenas 22% dispunham de serviços de saneamento gerenciados da mesma forma. No mesmo ano, 96% dispunham de pelo menos um serviço básico de água, e 86% dispunham de pelo menos um serviço básico de saneamento (WHO/UNICEF, 2017a).
Nos países da região, os níveis de cobertura dos serviços de abastecimento de água e saneamento são significativamente mais baixos nas áreas rurais do que nas áreas urbanas. Em termos de acesso a pelo menos um serviço básico, a diferença entre áreas urbanas e rurais é de 13% para os serviços de abastecimento de água e de 22% para os de saneamento (WHO/UNICEF, 2017a).
Coordenado e publicado pelo Programa Mundial de Avaliação dos Recursos Hídricos (WWAP) da UNESCO, o Relatório Mundial das Nações Unidas sobre Desenvolvimento dos Recursos Hídricos é o resultado de uma colaboração entre 32 entidades das Nações Unidas e dos 41 parceiros internacionais que compõem a UN-Water. O Relatório é publicado todos os anos no Dia Mundial da Água.
UFPel envolvida nos desafios socioambientais
A Universidade Federal de Pelotas (UFPel) integra o Núcleo Regional dos ODS (Objetivos de Desenvolvimento Sustentável) de Pelotas. Os ODS fazem parte do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), programa da ONU para o desenvolvimento presente em 193 países.
O Núcleo Regional busca potencializar o atingimento dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável na área de abrangência do Coredesul em áreas como água e saneamento, erradicação da pobreza, segurança alimentar e agricultura, saúde, educação, igualdade de gênero, redução das desigualdades, energia, padrões sustentáveis de produção e de consumo, mudança do clima, cidades sustentáveis, proteção e uso sustentável dos oceanos e dos ecossistemas terrestres, crescimento econômico inclusivo, infraestrutura e industrialização, e governança. Mesmo sendo uma ação global, as atividades dialogam e têm em vista as políticas locais.
*Com informações da UNESCO no Brasil