Acadêmica de Ciências Musicais estuda Videogame Music no Brasil
Que a música nos transporta para outros lugares, não é novidade. Mas o papel da música na criação de verdadeiros universos virtuais e interativos está começando a ganhar espaço nas pesquisas acadêmicas. É o que indica a pesquisa da estudante do oitavo semestre de Ciências Musicais da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), Raíssa Rodrigues Leal. A acadêmica uniu sua paixão pelos jogos digitais e pela música e traçou um panorama sobre os estudos em Videogame Music no Brasil.
Seja como fio condutor de uma história, como recurso de interação entre personagens ou mesmo para avisar que o grande desafio daquela fase do jogo está chegando, a música de videogame é extremamente versátil. Tanto que é difícil caracterizá-la. Dinâmica, que se adapte a diferentes etapas, processos e gatilhos de um game, em um ambiente interativo, com mudanças de cenários e personagens, em uma narrativa que não é linear, a música de videogame tem uma natureza específica. “Quando falamos de música, falamos de começo, meio e fim. No caso da música para game, o meio vai mudar conforme as ações do jogador”, observa a pesquisadora.
A música assume diferentes faces dependendo do tipo do jogo – medieval, pop, de luta, batalhas espaciais ou qualquer outro que a imaginação mandar. Também está condicionada à tecnologia disponível – quem não se lembra dos clássicos temas de Super Mario Bros, na época em que as músicas eram simplificadas para ser reproduzidas pelos processadores de 8-bits? Depois, novos estilos surgiram com a evolução dos consoles, aberturas de mais canais de áudio, em CDs, permitindo aos criadores novas experiências.
Tantos aspectos estão envolvidos que a pesquisadora aponta: música de videogame não é definida pela sonoridade. A música que toca no jogo, explica, chega a ser classificada por “gerações de consoles”. Cada jogo tem uma estratégia diferente e, por isso mesmo, trabalha com a música de maneiras distintas: seja no tema principal ou variações, em efeitos sonoros, ambientação de lugar e tempo. “A música ‘conversa’ com o jogador tanto quanto a imagem. A música não está lá para ‘fazer pano de fundo’. Ela tem função na narrativa”, pontua.
Presença
Raíssa localizou evidências ainda incipientes no meio acadêmico – em 37 periódicos acadêmicos de Música, um trabalho na área. Ao mesmo tempo, a estudante identificou que a prática musical está mais discussão em outros espaços que não os acadêmicos, como os encontros dos aficionados pelo estilo. Ou seja, o assunto ainda é mais discutido entre interessados do que encarado como objeto de pesquisa científica.
O mercado de games tem crescido no Brasil. Segundo a consultoria PricewaterhouseCoopers, o gasto com games em 2016 chegou a US$ 644 milhões no país. Em 2021, a expectativa é que atinja US$ 1,4 bilhão, com crescimento médio de 17% ao ano. Segundo Raíssa, existem compositores, intérpretes e pesquisadores dedicados ao segmento, além de técnicas específicas de criação, que merecem um olhar mais aprofundado. “A música de videogame traz uma nova possibilidade de fazer musical, maneiras diferentes de pensar e criar música. Estão falando sobre isso, mas ainda é pouca coisa”, observa.
No desenrolar da pesquisa, a acadêmica estreitou laços com produtores desse segmento. Intérprete da personagem A Barda, baseada em jogos de RPG e videogames, Raíssa canta temas medievais e fantásticos. A estudante inclusive foi convidada para cantar a música de um jogo e está em contato, por exemplo, com dois compositores do Toren, primeiro jogo eletrônico no Brasil financiado pela Lei Rouanet.
A pesquisadora, orientanda do professor Guilherme Goldberg, já esteve apresentando trabalhos científicos em Portugal, em maio deste ano, em evento promovido pela Sociedade Espanhola de Musicologia. E já confirmou presença no próximo Simpósio Brasileiro de Games e Entretenimento Digital, que ocorrerá em novembro, no Paraná.
Ciências Musicais
Criado em 2009, o bacharelado em Ciências Musicais da UFPel é uma proposta inovadora na Academia, pois é uma das poucas formações do tipo no país. O curso tem o objetivo de formar, além de músicos, profissionais da pesquisa e da crítica em música, produtores culturais, gestores de acervos históricos, entre outros.
O curso prepara de maneira consistente o futuro profissional para um mercado cada vez mais competitivo, onde a versatilidade é essencial. Forma um profissional que além de competente em sua linha de formação específica, possa atuar nos diversos processos de criação e manifestação artística e do conhecimento musical.
Raíssa deixou o curso de Licenciatura em Música para dedicar-se às Ciências Musicais e hoje é uma entusiasta da graduação. De acordo com ela, o curso é amplo e prepara os profissionais para muitas atividades, exigindo leitura, escrita e reflexão sobre a prática musical. “Nosso curso tem todos os perfis. Somos incentivados a produzir. Além de fornecer um arcabouço de conhecimento, a gente também cria. É um curso diferenciado”, elogia, destacando que as discussões contemporâneas estão sempre presentes na sala de aula.