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Estudo analisa críticas a mulheres concertistas na Belle Époque brasileira

“É facil, na maioria dos casos, conhecer quem toca um instrumento […]; ninguem erra quando affirma que um piano está sendo vibrado por homem ou por uma senhora […]; mas em se tratando dessa pianista que nos encheu de encanto e de flôres, hontem, no seu ‘recital’, ninguem acertará se não a vir sentada ao piano, porque o seu tocar é masculino e a sua interpretação nada tem de feminino”.

A avaliação, feita em 1917 pelo cronista considerado o fundador da crítica musical especializada no Brasil, Oscar Guanabarino, é um dos inúmeros fragmentos encontrados e analisados pelo grupo de Estudos Interdisciplinares em Ciências Musicais da Universidade Federal de Pelotas (UFPel). O foco na questão de gênero é um dos trabalhos desenvolvidos pelos acadêmicos, que, neste caso, centram-se em como as mulheres eram retratadas nas críticas musicais de Guanabarino no período de 1884 a 1917 – época em que ele atuou no jornal O Paiz.

Todo o material foi rastreado e consultado na Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional. A busca das informações, diária e minuciosa, e o olhar crítico sobre o tema têm sido alvo da dedicação da estudante Amanda Oliveira, do sétimo semestre do curso de Música – Ciências Musicais, e do orientador e coordenador do grupo, professor Guilherme Goldberg.

Figura respeitada e polêmica por suas críticas duras e fundamentadas, Guanabarino tem seus escritos, explicam os pesquisadores, carregados de representações de sua própria época – que inclui o período da Primeira República, conhecido como Belle Époque brasileira. Sua atuação abarca a transição entre os séculos 19 e 20, período marcado por mudanças significativas nos papéis atribuídos às mulheres. Conforme os pesquisadores, antes restritas ao círculo doméstico, é na segunda metade do século 19 que se observa uma mudança gradativa na atividade musical feminina, com a intensificação de apresentações públicas de mulheres musicistas. No material identificado, encontram-se críticas a musicistas como Gemma Luziani, Celina Roxo, Nininha Velloso e Ophelia Isaacson, algumas das solistas surgidas no período. “A questão de gênero é uma área que carece de atenção. Há falta de conhecimento sobre atividades desempenhadas por mulheres na música”, observa Amanda.

Apesar de trazer em suas críticas o imaginário de sua época, Guanabarino – coerente a ponto de fazer ressalvas a avaliações anteriores suas – não deixa de provocar no grupo a interrogação: até que ponto ele reproduzia ou questionava a questão de gênero? “Não creio que ele enfoque de forma pejorativa. Quando ele diz que determinada pianista não conseguiu exprimir ‘o sulco que exige a força muscular dos homens’ ou que as mulheres têm um cantar mais sentimental, isso se conecta com o imaginário do que era ser homem ou mulher naquele período. Mas não existia demérito por ser uma mulher”, destacou a estudante. O professor ressalta: o crítico chegou a se opor publicamente a um clube que quis proibir mulheres de assistir a concertos. Nessa ocasião, junto à Princesa Isabel, criou uma sociedade onde as mulheres não só eram aceitas mas incentivadas a participar.

Para os pesquisadores, o recorte de gênero nas críticas musicais de Oscar Guanabarino ajuda a preencher uma lacuna existente na historiografia tradicional, que pouco elucida questões referentes à atividade musical feminina e sua recepção.

Ganhando espaço
Os estudos de gênero na história da música já começaram a ganhar destaque na UFPel com o trabalho da então aluna Ruthe Pocebon, que abordou a atuação da cantora Cacilda Ortigão. Em novembro, Amanda viajará para Braga, em Portugal, quando participará do 7º Encontro de Investigação em Música, na Universidade do Minho. Na ocasião, ela apresentará a comunicação “Mulheres Concertistas na Crítica Musical de Oscar Guanabarino: o Feminino entre Amadoras e Profissionais”. De acordo com o professor, a qualidade dos estudos tem colocado estudantes de graduação em eventos destinados à pós-graduação. “É de extrema relevância produzir leitura crítica nessa temática, que pode ser feita de forma apaixonada, mas sem projetar conceitos do século 20 no século 19, entendendo o período histórico”, pontuou o docente.

Quem foi Oscar Guanabarino
Oscar Guanabarino de Sousa e Silva (1851-1937) foi um importante crítico de artes na cidade do Rio de Janeiro, especialmente de música, sendo considerado tanto por seus contemporâneos, quanto por alguns pesquisadores o fundador da crítica musical especializada no Brasil. Escreveu por mais de 50 anos nos principais periódicos cariocas, como O Paiz (1887-1917) e o Jornal do Commercio (1917-1936). Atuou como professor de piano, jurado de concursos, diretor de números musicais e autor teatral. Caracterizou-se como “uma figura central da vida cultural do Rio de Janeiro em sua época”.

Publicado em 02/08/2017, nas categorias Destaque, Notícias.