Abuso emocional na infância triplica risco de depressão em mulheres
Crianças que sofrem abuso emocional ou estão expostas à violência doméstica têm mais risco de desenvolver transtornos depressivos na juventude e idade adulta, segundo pesquisa realizada em trabalho de doutorado do Programa de Pós-Graduação em Epidemiologia da Universidade Federal de Pelotas. O estudo acompanhou o desenvolvimento de aproximadamente 3,7 mil recém-nascidos até os 18 anos.
“A relação entre maus-tratos na infância e problemas de saúde mental a longo prazo já está bem estabelecida. O que ainda não está bem claro é como diferentes formas de maus-tratos se relacionam especificamente com o desenvolvimento da depressão”, explica Erika Alejandra Gallo, autora da tese desenvolvida sob orientação do professor Joseph Murray.
“O estudo fornece evidências de que o abuso emocional e a violência doméstica na infância estão particularmente associados ao desenvolvimento da depressão, especialmente em meninas, mais do que o abuso físico, o abuso sexual, ou outros tipos de maus-tratos. Este é o primeiro estudo a investigar essa associação a longo prazo em um país de renda média, como o Brasil”, completa.
Os pesquisadores analisaram dados de um estudo longitudinal iniciado com aproximadamente 5 mil bebês nascidos na cidade de Pelotas (RS) em 1993. Quando estavam com 18 anos, em média, os participantes realizaram testes psicológicos (Questionário MINI) para avaliação de transtornos mentais. Informações sobre exposição a maus-tratos foram obtidas na visita dos 15 anos, por meio de questionários confidenciais de autorrelato sobre ocorrências de abuso emocional, negligência física, abuso físico, abuso sexual e violência doméstica.
Dados sobre avaliação psicológica e experiência de maus-tratos foram obtidas entre 3.715 participantes. O grupo de pesquisa avaliou a associação entre ocorrência de maus-tratos e risco de depressão, fazendo o controle para variáveis que podem contribuir para o desenvolvimento de transtornos depressivos, entre elas, renda familiar, sexo da criança e características maternas, como idade, cor da pele, estado civil, escolaridade, fumo durante a gravidez, número de filhos e problema de saúde mental.
Os resultados apontam prevalência de 6,8% de depressão entre os jovens aos 18 anos, com taxas mais elevadas entre as mulheres (10%) do que entre os homens (3,3%).
De acordo com as análises, mulheres que sofreram abuso emocional tiveram três vezes mais chances de apresentar depressão aos 18 anos, quando comparadas às que não foram expostas a esse tipo de abuso. Já o grupo de mulheres que presenciaram comportamento violento dos pais entre si ou com outras pessoas tiveram quase o dobro de risco para depressão. Quando expostas a dois ou mais tipos de abusos, o risco de depressão subiu para quatro vezes entre as mulheres, mesmo após o ajuste para fatores de confusão e outros tipos de maus-tratos. Para os homens, não houve associação significativa entre depressão e qualquer forma de maus-tratos nas análises ajustadas para fatores de confusão.
“Evidências científicas apontam que mulheres e homens reagem de forma diferente a eventos adversos. As mulheres estão mais propensas a internalizar sintomas, com quadros de depressão, entre outros transtornos mentais, enquanto homens têm tendência a externalizar reações, com comportamento agressivo e outros problemas de conduta”, diz a autora.
Segundo os autores, a associação entre abuso emocional e depressão provavelmente se explica pelo efeito desse tipo de abuso sobre esquemas cognitivos relacionados a sentimentos de inutilidade e perda. “Dizer a uma criança ‘você não devia ter nascido’ ou ‘te odeio’ traz graves consequências psíquicas. É um machucado interno, muitas vezes carregado para o resto da vida”, explica Gallo.
As descobertas apontam a importância da identificação de meninas expostas a maus-tratos para encaminhamento à atenção prioritária em saúde mental. Os autores alertam para necessidade de integrar estratégias de setores públicos e sociais em diferentes contextos de desenvolvimento infantil – familiar, escolar e comunitário – com estabelecimento de medidas de vigilância, mecanismos de comunicação e denúncia e intervenções precoces para prevenir os efeitos limitantes da violência sobre a saúde mental de jovens adultos.