No patrimônio vindo do sal, um museu para o doce
Dos icônicos prédios localizados no entorno da praça Coronel Pedro Osório, como o Grande Hotel, o Theatro Sete de Abril ou a Bibliotheca Pública Pelotense, talvez nenhum dele fale tanto sobre o estilo de vida da aristocracia quanto o Casarão 8. Construído sob as riquezas obtidas pelo ciclo do sal e do charque, o prédio recentemente restaurado acompanha os casarões vizinhos em estilo construtivo e, talvez, até mesmo no projetista, José Izella Merotti. No entanto, detalhes em sua composição o diferenciam dos demais, tornando-o um dos mais marcantes exemplares no estilo neoclássico brasileiro.
No entanto, toda essa riqueza arquitetônica esteve, até poucos anos atrás, fechada para os pelotenses e, pior ainda, em um processo avançado de deterioração. Após ter sido deixado pela família, o local foi ocupado pelos militares e pelo Município. Após a desocupação e já nos início do novo século, o Ministério Público pediu uma intervenção, já que a edificação estava prestes a ruir. Por ser tombado em nível nacional, o Casarão 8 teve um restauro emergencial iniciado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), que destinaria o prédio como futura sede do Museu do Doce, seja qual fosse o próximo proprietário do prédio.
Assim, aquela casa que seria um dos grandes símbolos da economia do charque e do sal passaria a ser espaço para que um dos grandes patrimônios culturais da Princesa do Sul: os doces. Com a aquisição do espaço pela Universidade Federal de Pelotas em 2009, o IPHAN reforçou a destinação do local para o futuro Museu do Doce. E cumprindo a determinação do Instituto, desde a reabertura da edificação, o local é destinado à organização.
De acordo com a professora do curso de Museologia da UFPel e chefe da Seção de Museus, Acervos e Patrimônio Imaterial da Pró-Reitoria de Extensão e Cultura, Nóris Leal, o Casarão 8 é a expressão plena de um novo conceito de patrimônio, o qual indissocia a edificação que abriga o acervo daquilo que é exposto. “O museu surge como função do investimento do restauro do edifício: ambos estão anelados”, afirma. Dessa forma, ela considera a casa como o primeiro acervo do Museu do Doce e, além disso, o acervo museológico de maior valor dentro da UFPel.
Uma realidade em pleno funcionamento
Embora ainda não esteja com exposição permanente, o Museu já é uma realidade em pleno funcionamento, explica Nóris. Ela explica que a organização está em uma fase de recolhimento de acervo, entrevistas e pesquisas. A verba para a instalação já está captada, no entanto, ainda falta a liberação. “Por enquanto, nossa obrigação é manter a casa aberta, em atividades”, pontua.
Segundo a chefe da Seção de Museus, a opção foi por trabalhar com atividades culturais. Também ali estão funcionando a Livraria da UFPel e o seu café. Por isso, a comunidade artística da UFPel tem encontrado no Museu do Doce acolhida permanente para exercícios e apresentações.
Nóris destaca também que o Casarão já tem recebido um grande fluxo de visitantes desde a sua abertura, chegando à ocasiões onde mais de três mil pessoas acorreram ao local, como nas duas edições do Dia do Patrimônio.
A professora do curso de Museologia adianta alguns detalhes do que será a exposição: será ocupada toda a área social da casa, onde se contará a relação histórica entre o sal e o açúcar em Pelotas. Serão apresentadas a confeitaria tradicional, dos doces finos, e os doces coloniais e industriais. Um dos planos é a construção de uma cozinha industrial, para realização de cursos e oficinas, para mais intenso uso da comunidade. Inclusive foi a própria comunidade que encabeçou as ideias iniciais para a criação de um museu voltado para o assunto em Pelotas, a partir da mobilização das doceiras e dos demais envolvidos na cadeia de produção dos doces.
Por isso, Nóris destaca: “É um museu da cidade, mas também um grande laboratório para a Universidade”. O Casarão 8 já é espaço de trabalho para alunos e professores de diversos cursos desenvolverem projetos de pesquisa e extensão, que buscam resgatar e ampliar a cultura doceira, através da pesquisa histórica e da educação para o futuro, no sentido da preservação do grande patrimônio que é o doce.
Detalhes que fazem a diferença
Finalizada em 1878, a construção foi feita para ser residência do Barão de Cacequi, figura politicamente importante, já que era conselheiro do Império brasileiro. Nóris explica que a proeminência do barão era ostentada através de alguns detalhes da edificação, como a altura dos porões e a decoração interna, feita de gesso sobre estuque, em uma quantidade não vista em outros prédios pelotenses. “A decoração fala”, diz a professora.
Nóris também destaca o planejamento arquitetônico utilizado, como mostra a presença da luz solar direta em todos os cômodos, mesmo no hall de entrada, única peça sem janelas, mas onde existe uma claraboia, e a acústica existente.
Grande programação para os próximos meses
Os próximos meses serão de grande movimentação para o Museu do Doce. Em maio, entre os dias 18 e 24, ocorrerá a Semana dos Museus da UFPel. O Casarão 8 inaugurará a exposição temporária sobre a relação entre os doces e as religiões afro-brasileiras. Também será realizado o evento “Uma noite do Museu do Doce”.
Já durante a grande festa pelotense, a Fenadoce, a ser realizada entre 27 de maio e 14 de junho, o local receberá as atividades da UFPel do Festival de Gastronomia, promovido pela Câmara de Dirigentes Lojistas de Pelotas. No Museu, ocorrerão ciclos de cinema, palestras e atividades culturais. Também durante o período iniciarão as exposições temporárias “O doce e a festa”, “O doce e a cidade” e “O doce e a técnica”. Estes são temas que farão parte da exposição de longa duração.