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Combate à AIDS: novas infecções acendem o alerta para a necessidade de testagem e prevenção

No mundo todo, são 40,8 milhões de pessoas vivendo com HIV. Dessas, 22,1% – cerca de 9 milhões de pessoas -, não estão em tratamento. No ano passado, foram registradas 1,3 milhão de novas infecções por HIV. O Dia Mundial de Luta Contra a AIDS, celebrado em 1º de dezembro, lembra que, apesar dos avanços em tratamento e prevenção, o preconceito e a banalização ainda precisam ser combatidos – e a combinação de conhecimento com consciência e acolhimento é o caminho para enfrentar essa séria questão de saúde pública.

O cenário é o mais desafiador em mais de duas décadas, conforme a UNAIDS, programa conjunto das Nações Unidas que tem como objetivo liderar e coordenar a resposta global à epidemia de HIV/AIDS. Segundo a entidade, isso se dá pela combinação de uma crise financeira cada vez mais grave, o aumento da fragmentação geopolítica e dúvidas sobre o futuro da coordenação global do HIV.

O Relatório 2025 da UNAIDS, lançado nos últimos dias, alerta que o fracasso em atingir as metas globais para o HIV de 2030 da próxima Estratégia Global para a AIDS pode resultar em 3,3 milhões de novas infecções por HIV entre 2025 e 2030. “Após décadas de luta, a resposta global ao HIV estava perto de atingir seu objetivo de acabar com a AIDS como uma ameaça à saúde pública até 2030. O mundo avançou muito — e conquistou muito — para permitir que o progresso se desfaça neste momento de oportunidade histórica”, menciona o documento, que detalha as consequências de longo alcance das reduções no financiamento internacional e da falta de solidariedade global, que causaram um choque nos países de baixa e média renda com mais incidência de HIV.

Coletivo antissorofóbico “PositHIVes” em abordagem à população

No Brasil, entre 2007 e junho de 2024, foram registrados 125.753 casos de infecção pelo HIV em jovens de 15 a 24 anos, representando 23,2% do total de casos. Em 2023, destaca-se o percentual de casos novos entre homens de 20 a 29 anos, que representaram 40,3% dos registros no sexo masculino, enquanto entre os adolescentes (15 a 19 anos), o percentual foi de 4,3%. Segundo o Ministério da Saúde, os dados evidenciam a urgência de intensificar ações preventivas e educativas voltadas a jovens adultos, que permanecem como um grupo de alta incidência.

Dentro do ranking dos 100 municípios brasileiros com mais de 100 mil habitantes, que foram classificados de acordo com um índice composto combinando diversos indicadores, entre 2019 a 2023, Porto Alegre está em segundo lugar. Rio Grande ocupa a 25ª posição e Pelotas a 34ª. Os dados são do Boletim Epidemiológico do Ministério da Saúde 2024.

UFPel no combate
Na Universidade Federal de Pelotas (UFPel), uma das iniciativas que se dedica ao acolhimento e à orientação a respeito do tema é o coletivo antissorofóbico “PositHIVes”. Criado com a proposta de sensibilizar acadêmicos de Psicologia que atenderão pessoas que vivem com HIV, o grupo mistura expressões artísticas e culturais com ações de saúde e conscientização (mais informações podem ser obtidas nessa publicação).

Prof. Hudson Carvalho (à frente) coordena a iniciativa

O coletivo começou suas atividades em 2020, por meio de uma sistemática de estudos e produções que orbitavam o tema HIV/AIDS e, após expressar-se pela arte, deu início às articulações em torno de promover uma política pública que ainda não alcançava muitas pessoas em Pelotas: a “PrEP”, acrônimo de “Profilaxia Pré-Exposição ao HIV”. Trata-se de um método farmacológico altamente eficaz de prevenção à infecção pelo HIV. De modo simplificado, consiste na ingestão diária de um comprimido que inviabiliza a infecção por HIV quando o organismo entra em contato com o vírus. A PrEP faz parte de uma estratégia conhecida como prevenção combinada, isto é: a utilização de diferentes métodos de prevenção a infecções sexualmente transmissíveis (ISTs). “A PrEP é uma revolução. Muito efetiva e 100% gratuita, disponibilizada pelo SUS”, destaca o coordenador do coletivo, professor Hudson de Carvalho.

A primeira ação “PrEP Itinerante” ocorreu em 2021, no Largo do Mercado Central de Pelotas e realizou mais de 300 testagens. Nos anos seguintes, as ações continuaram ocorrendo em diferentes bairros, tendo as Unidades Básicas de Saúde (UBSs) como pontos de convergência. O grupo visitou casas, escolas e comércios para chamar atenção sobre o tema. “Intervenção nos espaços faz parte do nosso ativismo”, pontua. O trabalho contribuiu para fortalecer a descentralização do tratamento e oferta de profilaxias, prevista como normativa do SUS. Em breve, as UBSs que estão recebendo formação já deverão ofertar os serviços. “Fomos um dos atores que lutaram e mobilizaram a rede para construir essa descentralização. É uma conquista muito bonita”, comemora.

A PrEP Itinerante foi gestada no grupo de pesquisa, virou extensão e estimulou uma política pública. “É uma potência muito grande. Conseguimos fazer aquilo que a Universidade deve fazer: devolver algo à sociedade”.

SAE conta com equipe multiprofissional

SAE
Criado em 1998, o Serviço de Atendimento Especializado (SAE) é uma parceria entre a UFPel e a Prefeitura de Pelotas. Referência em prevenção e tratamento das pessoas que vivem com HIV/AIDS para toda a região, o Serviço atende, atualmente, mais de 2,7 mil pessoas.

Localizado no Ambulatório Central (Av. Duque de Caxias, 104, prédio da antiga Laneira), o SAE conta com uma equipe multiprofissional, com médicos, psicólogos, farmacêuticos, assistentes sociais, enfermeiros, auxiliares de enfermagem e administrativos. O Serviço atua em três âmbitos: clínica, pediatria e gineco-obstetrícia. Conforme explica o médico Luiz Fernando Barros, como no caso de qualquer doença crônica, os pacientes realizam tratamento permanente, além de coletar exames de carga viral a cada seis meses. “O objetivo do tratamento é que se mantenha o paciente com carga viral indetectável, o que significa intransmissível. Isso só se consegue tratando”, destaca a médica Susane Passos.

Manter o paciente próximo também é uma das estratégias do grupo. “Ter a adesão do paciente é fundamental”, salienta Barros, lembrando que nenhum paciente que procura o SAE fica sem acolhimento.
O Serviço conta ainda com a retaguarda do Hospital Escola da UFPel e do serviço de Hospital Dia, para realização de exames de urgência e outros suportes necessários.

Serviço de Atendimento Especializado (SAE) fica no Ambulatório Central

Desde janeiro deste ano até agora, o SAE registrou 166 novos casos de HIV, o que representa 15 por mês. O número é considerado alto pela equipe. O grupo também identificou uma mudança no perfil inicial das pessoas que chegam para tratamento: muitos são heterossexuais, com parceiro fixo.

 

 

SAE em números

– 6.445 pessoas cadastradas desde o início do Serviço, em 1998

– 2.710 pacientes cadastrados atualmente para retirada de medicação. Destes, 421 não buscam os medicamentos há mais de 90 dias (o SAE procura por essas pessoas para que retomem o tratamento)

– 795 cadastros de Profilaxia Pré-Exposição (PrEP) (pessoas que já retiraram pelo menos uma vez)

– 135 retiradas foram feitas em novembro deste ano e foram contabilizados 35 novos pacientes retirando a PrEP nesse período

– 53 retiradas de Profilaxia Pós-Exposição (PEP) em novembro

– 99 pacientes desde o início do atendimento a coinfectados (HIV e tuberculose), em setembro de 2023

– 34 pacientes coinfectados (HIV e tuberculose) em acompanhamento atualmente

– 16 pacientes soropositivos crianças e adolescentes, de um mês a 19 anos

– Fornecimento de leite a 38 crianças (soropositivas ou não) de até um ano de idade, cujas mães, soropositivas, não podem amamentar

Tratamento e prevenção simplificados
O que no passado era um “coquetel” de medicamentos agora se resume a um ou dois comprimidos, bem tolerados pelo organismo, praticamente sem efeitos colaterais. Depois do tratamento, é frequente que a contagem viral caia tanto que se torne indetectável: a pessoa vive com HIV, mas não em quantidade suficiente para que transmita. Porém, para isso, é preciso o tratamento permanente, reforça a equipe do SAE.

Barros salienta que o tratamento mais simplificado e com mais eficácia é um passo muito importante para a adesão. “É uma evolução importante, que traz melhora para a qualidade de vida dos pacientes”, afirma Camila Sica, farmacêutica do SAE.

Os avanços no tratamento e na prevenção são “impressionantes”, na avaliação do professor Carvalho. Segundo ele, a PrEP é uma forma altamente segura e eficaz de prevenção disponibilizada pelo SUS e tem proporcionado maior diálogo sobre o assunto. Junto a ela estão a Profilaxia Pós-Exposição (PEP), administrada em até 72h durante 28 dias em casos de relação sexual desprotegida, estupro, ou até mesmo acidentes de trabalho.

A PrEP também dá autonomia, salienta o coordenador do PositHIVes. Enquanto o uso de preservativos por vezes acaba sendo “negociável”, a utilização da PrEP é uma escolha da própria pessoa para sua prevenção. “O empoderamento desses sujeitos traz uma cidadania maravilhosa. A vida sexual se torna mais saudável, porque a PrEP está dentro de uma estratégia de saúde muito mais ampla”, afirma.

Ao mesmo tempo, a médica Lúcia Helena Real, da equipe do SAE, destaca que apesar do incentivo do poder público ao uso da PrEP como forma de prevenção ao HIV, outras ISTs podem ser transmitidas se não houver prevenção combinada, como sífilis, gonorreia e hepatite.

Preconceito e banalização a serem combatidos
Segundo a UNAIDS, em 2024, a terapia antirretroviral evitou 1,8 milhão de mortes relacionadas à AIDS. Mais de 30 milhões de pessoas têm esperança de um futuro longo e saudável graças aos programas de prevenção do HIV. Um estudo recente descobriu que as jurisdições com maior cobertura de PrEP obtiveram sucesso significativamente maior na prevenção de novas infecções por HIV.

No entanto, o preconceito, ainda que possa ter diminuído, segue imperando. O silenciamento decorrente faz com que as pessoas não se testem nem busquem informação ou que pacientes sofram isolamento e culpabilização. “O preconceito é o mais importante desafio e causa todas as outras dificuldades. O HIV é um problema de saúde coletiva”, avalia Carvalho, para quem os indicadores podem apontar um distanciamento do poder público no combate ao HIV.

Para Lúcia, um dos grandes desafios é a banalização da doença. “Ninguém morre mais disso, mas é uma doença crônica que pode ser evitada”, disse. Segundo ela, os governos poderiam ampliar o investimento em campanhas para alertar sobre a doença. “Sinto que o poder público não se decidiu o suficiente em relação a isso”, também opina Carvalho, fazendo alusão ao preconceito associado ao tema. “Precisamos ter um enfrentamento a essa questão que está muito longe de chegar. É um trauma na sociedade. A gente não lida muito bem com isso, não fala sobre e age muito pouco”, diz o coordenador do PositHIVes. Assim, o HIV é “quase um segundo ‘armário’”. “O estigma ainda é muito pesado. As pessoas vivem em isolamento e quando vão falar sobre isso, são rechaçadas. A gente quer um mundo melhor. E também sem preconceito”.

Medo aumenta o risco
A crença equivocada de que o medo provoca a prevenção mostra: o medo provoca o silêncio – e aumenta o risco. “Se o medo resolvesse, a AIDS e o HIV já tinham acabado. Mas estão florescendo pelo mundo”, alerta Carvalho. Como questão séria de saúde pública, explica, o caminho passa pelo acolhimento e pelo entendimento de que a sexualidade é muito ampla.

O docente lembra a meta 95-95-95, estabelecida pela UNAIDS, que tem como objetivo que 95% das pessoas que vivem com HIV conheçam seu diagnóstico; que 95% das pessoas que sabem que vivem com HIV estejam em tratamento antirretroviral; e que 95% das pessoas em tratamento estejam com a carga viral suprimida. Seria um caminho para pôr fim à AIDS. Segundo ele, o medo faz com que as pessoas não se testem, não falem a respeito, evitem utilizar as profilaxias ou o façam escondido. “O medo inverte a lógica. Precisamos pensar em acolher, e não amedrontar”.

De acordo com Lúcia, o abandono do tratamento está mais ligado à não-aceitação da doença do que em função da medicação.

Ação no Anglo terá distribuição de autotestes
A UFPel, por meio do Programa Viva Bem, em parceria com a Secretaria Municipal de Saúde (SMS), realizará uma blitz no dia 1º de dezembro, Dia Mundial de Luta Contra a Aids, no Campus Anglo (Rua Gomes Carneiro, 1). A ação ocorrerá das 9h às 12h, no saguão do Bloco B, no andar térreo, próximo à lancheria, onde serão distribuídos autotestes de HIV e materiais informativos. É uma ocasião também para elucidar dúvidas sobre a temática.

Após essa data, durante todo o mês de dezembro, sempre às sextas-feiras, os autotestes estarão disponíveis para retirada na Seção de Perícia Médica, localizada no segundo piso do Campus Anglo, no horário de atendimento da unidade.

Evento PrEP Itinerante será novamente realizado

PrEP Itinerante será realizada na Parada da Diversidade
No dia 14 de dezembro, o projeto PositHIVes estará participando do evento de prevenção e conscientização “PrEP Itinerante”. A atividade será realizada durante a 24ª Parada da Diversidade de Pelotas, que começa às 14h, no Largo do Mercado Central. Haverá testagens, consultório de rua e ações de educação sexual. A novidade desta edição ficará por conta de um jogo, no estilo RPG, no qual os participantes podem tomar decisões e reagir a partir de situações hipotéticas em uma viagem para o Carnaval que apresenta experiências sexuais e eróticas. Conforme o desenrolar da trama, as pessoas participantes conhecerão mais sobre prevenção e cuidados ligados à AIDS e outras ISTs, além de outros pontos relativos à saúde sexual. A proposta do grupo é, depois dessa ação-piloto, publicar o jogo para que seja utilizado em outras ocasiões.

Onde testar e ter acesso à PrEP e PEP
Os autotestes de HIV, assim como a PrEP e PEP, são ofertados gratuitamente pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Em Pelotas, os testes são realizados nas Unidades Básicas de Saúde e no Centro de Testagem e Aconselhamento (CTA), localizado no Centro de Especialidades (Rua Voluntários da Pátria, 1.428, sala 407), e pelo Programa de IST/AIDS e Hepatites Virais do Município.

A SMS também oferta desde o início do ano o TelePrepPel, que disponibiliza de forma gratuita acolhimento, agendamento e teleconsultas de PrEP, além do telemonitoramento de usuários da PEP. Esse serviço é vinculado ao serviço de Telemedicina e pode ser acessado por meio do WhatsApp (53) 3284-9526.