Nota da Gestão – PEC 206/19
A gestão da Universidade Federal de Pelotas vem, por meio desta, repudiar a proposta de Emenda Constitucional (PEC) 206/19, de autoria do deputado federal General Peternelli (PSL-SP), relatada pelo também Deputado Federal Kim Kataguiri (UNIÃO-SP), que pretende determinar que as universidades públicas cobrem mensalidades dos seus estudantes, ainda que parcialmente, conforme detalha seu autor no texto submetido à Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados.
A absurdidade da (PEC) 206/19 pode ser analisada em muitas e diferentes direções. Entre elas, cabe destacar o retrocesso evidente ao se propor mais uma ação no sentido de punir, destruir aquilo que representam as universidades públicas federais no contexto histórico nacional, propondo-se a exclusão da gratuidade, um dos pilares do ensino público, de qualidade e socialmente referenciado, que por diversas gerações têm formado cidadãos e cidadãs e cujas graduações e pós-graduações destacam-se nas diferentes avaliações e rankings aos quais estão submetidas as instituições, que durante todo o tempo de suas existências têm propiciado diversos avanços à Nação em todos os campos de conhecimento.
A PEC 206/19 vem à discussão de forma enviesada, sem a escuta social necessária, sem escutar especialistas, envolta em propaganda destrutiva e contínua do ensino público, este que vem sofrendo, entre outras coisas, ataques de natureza moral, tentativas sucedâneas de “projetos de reformulação” e, também, abruptos e contínuos cortes orçamentários, quadro que, recentemente, foi agravado por uma potente crise social e econômica e pela pandemia, excluindo-se nossos estudantes deste espaço de formação superior em detrimento da busca de emprego e de sobrevivência. Os números têm mostrado o quanto as universidades públicas estão perdendo seus estudantes: em 2015, tínhamos 7.734.626 de inscritos no processo seletivo do SISU — a forma mais democrática de ingresso nas Universidades Públicas do país – e, de lá para cá, este número caiu vertiginosamente em 60%. Em 2021, os inscritos no SISU caíram para 3.111.450, a título de conhecimento.
Para se falar em ensino universitário é preciso considerar o contexto nacional, nossa realidade de um modo geral, porque a universidade faz parte de um processo social de desenvolvimento do país. As universidades são o palco de discussões e de transformações para a sociedade, por meio de ações de ensino, pesquisa, extensão. A universidade é a fonte de proposição de alternativas para os problemas econômicos, científicos, sociais, ela é um bem cultural e educacional. A universidade é a saída pois pode responder às demandas da sociedade. Ela precisa estar ao acesso de todos e todas, um direito previsto em nossa Constituição. Alterar esta lei máxima é negar o direito de nossas crianças e jovens ao futuro, é negá-los que sejam o futuro vibrante, profícuo de nosso país.
Além disso, há uma premissa de “aparente bom senso” para justificar a cobrança de taxas nas Universidades Federais: as vagas seriam ocupadas pelos filhos das classes abastadas do País. Essa premissa, no entanto, carece de sustentação razoável nos dados atuais sobre o acesso, permanência e conclusão nos cursos de graduação nessas instituições: mais uma vez a crendice quer substituir a razão e o conhecimento.
A ampliação do número de universidades, campi, cursos e matrículas transformou o acesso às IFES nas últimas duas décadas, a ponto de 86% das matrículas serem de estudantes com renda familiar per capta abaixo de 3 salários-mínimos (s.m.); e tão somente 4,5% dos estudantes situarem-se na faixa de renda familiar acima de 5 s.m. per capta (cf. ANDIFES, 2019).
Certamente a cobrança de mensalidades para estudantes com renda familiar na faixa de 3 a 5 s.m. construiria uma barreira para o acesso desses estudantes à Universidade Pública, e a cobrança para os estudantes de faixa superior a 5 s.m. seria insuficiente para o objetivo alegado pelos defensores do projeto, o custeio das despesas dessas instituições.
Disfarça-se, sob o pretexto redistributivo, o projeto de ataque e desmonte da Universidade Federal, em curso nos últimos anos. É sempre bom lembrar que as IFES concentram a maior parte da produção científica do país e são responsáveis pela formação de profissionais de altíssima qualificação, que contribuem para o desenvolvimento do país, como já manifestamos, um bem público e histórico de relevância acentuada.
Por fim, considerando a população economicamente ativa no país, estimada em 103,6 milhões de pessoas no ano de 2021, o investimento anual nas universidades (R$ 5,3 bilhões) em despesas discricionárias por pessoa é de pouco mais de R$ 4/mês, números que, dada relevância social que cumprem as Universidades públicas está muito aquém de se constituir um disparate de investimento, pelo contrário, está distante daqueles investimentos necessários a um país que clama por justiça social, conhecimento, desenvolvimento e humanidade.