Uma hora de atividade física por dia compensa prejuízo de ficar sentado, revela estudo liderado por professor da UFPel
Um estudo com mais de um milhão de pessoas revela que fazer pelo menos uma hora de atividade física por dia, como caminhar em ritmo acelerado ou passear de bicicleta, pode eliminar o risco aumentado de morte associado a passar oito horas por dia sentado. Os dados são de uma nova série de quatro artigos, publicados nesta quinta-feira (28) na revista científica The Lancet, sob liderança do pesquisador do Programa de Pós-Graduação em Epidemiologia da Universidade Federal de Pelotas Pedro Curi Hallal.
Os autores alertam para o progresso muito reduzido frente à pandemia mundial de inatividade física: um quarto dos adultos não cumpre a atual recomendação para a prática de atividade física em todo o mundo. A inatividade física aumenta o risco de desenvolvimento de doenças cardiovasculares, diabetes e alguns tipos de câncer, além de estar associada a mais de cinco milhões de mortes por ano. De acordo com a primeira análise global do ponto de vista econômico, a inatividade física custa mais de 67,5 bilhões de dólares em perdas de produtividade e gastos com saúde em nível mundial.
Tempo sentado, atividade física e risco de morte precoce
Os pesquisadores analisaram dados de mais de um milhão de pessoas, abrangendo 16 estudos. O objetivo do grupo era descobrir quantas horas de atividade física por dia seriam necessárias para eliminar o efeito da associação entre longos períodos de tempo sentado e aumento do risco de mortalidade. Foram considerados exemplos de atividade física caminhar em ritmo acelerado (a 5,6 km/h) e passear de bicicleta (a 16 km/h).
Os autores classificaram os indivíduos em quatro grupos, de acordo com o nível de atividade física, partindo de menos de cinco minutos por dia para o grupo menos ativo até 60 a 75 minutos para o mais ativo.
Pessoas que ficavam oito horas por dia sentadas, mas eram fisicamente ativas, tiveram risco muito menor de morrer em comparação com aquelas que ficavam menos horas sentadas, mas não eram fisicamente ativas. Isso sugere que a atividade física é particularmente importante, independente de quanto tempo a pessoa fica sentada durante o dia. De fato, o risco aumentado de morte associado a ficar sentado oito horas por dia foi eliminado entre as pessoas que praticavam pelo menos uma hora de atividade física diária. As pessoas em maior risco de morte foram as que passavam longos períodos sentadas e não eram fisicamente ativas.
A Organização Mundial de Saúde recomenda que adultos pratiquem pelo menos 150 minutos de atividades físicas por semana. O estudo também alerta para o progresso que ainda precisa ser feito para aumentar os níveis de atividade física, já que apenas cerca de 25% dos participantes fazia uma hora ou mais de atividade física por dia.
“Existe uma preocupação muito grande com os riscos de saúde associados aos estilos de vida mais sedentários de hoje”, diz o autor principal do artigo, professor Ulf Ekelund, da Norwegian School of Sports Sciences (Noruega) e da Universidade de Cambridge (Inglaterra). “Trazemos uma mensagem positiva: é possível reduzir – e até mesmo eliminar – esses riscos se formos suficientemente ativos. Para isso, não é preciso praticar esportes ou ir à academia”, destaca.
“Para tantas pessoas que trabalham em escritórios e precisam percorrer grandes distâncias até o trabalho, passar longos períodos sentado é inevitável. Para essas pessoas, em particular, nunca é demais reforçar a importância do exercício, seja sair para dar uma caminhada na hora do almoço, fazer uma corrida pela manhã ou ir de bicicleta para o trabalho. O ideal é fazer uma hora de atividade física por dia, mas se isso não for possível, fazer ao menos algum exercício diário já ajuda a reduzir os riscos”.
A equipe de pesquisadores também analisou o tempo sentado por dia assistindo à TV em um subgrupo de cerca de meio milhão de pessoas. Os resultados são semelhantes: assistir à TV por mais de três horas diárias foi associado a um risco aumentado de morte em todos os grupos, exceto no grupo mais ativo.
O aumento do risco de mortalidade associado à variável “assistir TV” durante muitas horas por dia foi ligeiramente maior do que o associado à variável “total de tempo sentado”. Segundo os autores, vários fatores podem explicar essa diferença – passar longas horas defronte à TV pode ser um marcador de um estilo de vida menos saudável no geral, como estar menos propenso a fazer exercícios, por exemplo. Além disso, muitas pessoas assistem TV à noite, depois do jantar, o que pode afetar o metabolismo, ou então fazem lanches enquanto assistem TV.
Impacto econômico da inatividade física
No primeiro estudo a estimar o impacto da inatividade física sobre a economia mundial, os pesquisadores apontam um custo total de 67,5 bilhões de dólares em 2013, o equivalente ao PIB da Costa Rica no mesmo ano. Somente nos Estados Unidos, o impacto econômico da inatividade física em 2013 foi de 27,8 bilhões de dólares, contra 3,3 bilhões de reais no Brasil, 1,7 bilhões de libras esterlinas no Reino Unido, e 805 milhões de dólares australianos na Austrália.
O estudo revela que os países de renda alta respondem pela maior proporção dos gastos com a inatividade física (80,8% dos gastos com assistência à saúde em países de renda alta e 60,4% de gastos indiretos), enquanto os países de média e baixa rendas respondem pela maior proporção do impacto da doença (75% do impacto global das doenças ligadas à inatividade física está relacionado a países de baixa e média rendas).
“O custo econômico da inatividade física recai principalmente sobre os países de renda alta. Entretanto, com o desenvolvimento dos países de baixa e média rendas e a atual tendência da inatividade física, o mesmo vai acontecer em relação ao ônus econômico nesses países, que estão despreparados para lidar com a carga de doenças crônicas ligadas à inatividade física”, afirma a autora principal do artigo, Melody Ding, da Universidade de Sidney (Austrália). “Nosso estudo defende o argumento econômico para a promoção da atividade física e a prevenção de doenças como diabetes, doenças cardiovasculares e alguns tipos de câncer, com o objetivo de reduzir desigualdades em saúde”, prossegue.
Os autores observam que foram incluídos os custos relativos às cinco principais doenças ligadas à inatividade física (doenças cardiovasculares, acidente vascular cerebral, diabetes tipo 2, câncer de mama e câncer de cólon). O cálculo dos custos, portanto, tem por base estimativas conservadoras, e o custo real pode ser ainda maior.
Progresso desde as Olimpíadas de 2012
Apesar do progresso no desenvolvimento de políticas nacionais para a promoção da atividade física, os pesquisadores apontam que nem sempre elas são colocadas em prática. Em 2010, 75% dos países informaram ter uma política nacional de promoção da atividade física, mas em apenas 44% deles as ações saíam do papel. Em 2015, 90% tinham política específica para a área, com implantação na prática em 75% dos países.
No entanto, os indicadores revelam pouco progresso no aumento dos níveis de atividade física- 23% dos adultos e 80% dos adolescentes em idade escolar – não cumprem a recomendação da Organização Mundial de Saúde (OMS) de praticar pelo menos 150 minutos de atividade física moderada por semana.
“Nos últimos quatro anos, mais países estão monitorando os níveis de atividade física, mas são escassas as evidências de progresso. Sabemos que a inatividade física está relacionada a doenças cardiovasculares, diabetes e alguns tipos de câncer, mas novas evidências revelam que 30 mil casos de demência poderiam ser evitados por ano se todas as pessoas fossem ativas. A pandemia global de inatividade física é uma realidade, e a resposta global a esse desafio tem sido demasiadamente lenta”, afirma o autor principal do artigo, professor Jim Sallis da Universidade da Califórnia (Estados Unidos).
Abordagens mais inteligentes para promoção da atividade física
Aumentar os níveis de atividade física exige trabalho colaborativo entre escolas e responsáveis pelos setores de planejamento urbano, sistemas de transporte, esportes e meio ambiente. Mais esforço deve ser feito para a realização do monitoramento efetivo dos níveis de atividade física como fator de risco na prática clínica de médicos, educadores físicos, personnal trainers e profissionais da saúde.
Os autores apontam vários casos de sucesso, como o da Rede Integrada de Tranporte, introduzida em Curitiba (Brasil), e suas versões em Bogotá (Colômbia) e Cambridge (Reino Unido). Neste sistema, a distância média entre os pontos de ônibus é maior do que nos sistemas tradicionais, incentivando a caminhada. Outro exemplo é a Coordinated Approach to Child Health – CATCH (Abordagem Coordenada da Saúde da Criança), nos EUA, que promove um ambiente escolar saudável, incluindo atividade física e nutrição.
“Problemas de larga escala exigem soluções exigem soluções de larga escala. Precisamos do compromisso entre governos e organizações internacionais para enfrentar o desafio da inatividade física em termos saúde pública mundial. Ciência e prática estão fornecendo evidências importantes, mas agora é a hora de agir “, diz o professor Rodrigo Reis, da Universidade de Washington (Estados Unidos).
Em comentário online sobre a série, a editora executiva da The Lancet, Pam Das, e o editor-chefe da revista, Richard Horton, escrevem: “O mundo precisa tratar a atividade física com a seriedade que a questão exige. E isso significa investir recursos financeiros em capacitação de departamentos de saúde pública para vigilância adequada, parcerias inter-setoriais, intervenções, monitoramento de políticas, pesquisa e, especialmente, em intervenções de melhor custo-benefício. Há evidências contundes sobre a necessidade de adoção de medidas para melhorar os níveis de atividade física, sobre quais ações são mais promissoras e quem precisa estar envolvido. Mas a capacitação e o financiamento para tal continuam insuficientes, porque a atividade física não é levada a sério a ponto de ocupar o topo das prioridades de financiamento”.