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Dia Nacional da Libras é celebrado em 24 de abril

Reconhecida e regulamentada há 23 anos, a Língua Brasileira de Sinais (Libras) encerra em si todos os significados que uma forma de comunicação e expressão pode abarcar. Neste dia 24 de abril, Dia Nacional da Libras, a comunidade surda comemora identidade, inclusão e presença. Ao mesmo tempo, a data reforça os desafios para que mais avanços sigam ocorrendo.

Sistema linguístico de natureza visual-motora, com estrutura gramatical própria, a Libras é oriunda de comunidades de pessoas surdas do Brasil. A Lei 10.436/02, de 24 de abril de 2002, além de reconhecer a Língua, estabeleceu caminhos para promover a difusão e o apoio ao uso.

A professora Ângela Nediane dos Santos, coordenadora do curso de Licenciatura em Letras Libras/Literatura Surda da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), resume: onde está a Libras, está o surdo; onde o surdo está, está a Libras. Um leva o outro e são indissociados. Segundo ela, é o resultado da Lei. “A língua é a nossa vida. A língua nos torna humanos. Possibilita interagir com outras pessoas e oportuniza que as pessoas surdas acessem os mais diferentes espaços”, comenta. E vai além: a Libras não é apenas das pessoas surdas – é de toda a comunidade, porque oportuniza a comunicação de ambos os lados. “É uma via de mão dupla”, salienta.

Estudante da primeira turma do curso, Dirceu Souza de Lima, 20 anos, destaca primordialmente a questão cultural envolvida. Segundo ele, que é surdo, a Libras traz mais condições de ensino, acessibilidade e possibilita que a sociedade veja o povo surdo de outras formas. “A visibilidade aumentou nos últimos anos”, afirma.

Na avaliação da professora, a Lei proporcionou que as pessoas surdas ocupassem novos espaços, levando a sua língua e sendo vistos por onde passam. “Libras também é identidade. No momento em que um surdo se expressa, percebemos que ele é surdo. Libras e surdos estão conectados e unidos”, pontua.

Simultaneamente, à medida que o surdo chega a novos lugares, a língua se desenvolve. Afinal, muitos sinais são criados a partir das vivências que até então não tinham sido experimentadas. O ingresso de um estudante em um curso de graduação específico, por exemplo, costuma resultar na ampliação do léxico. “Quando os surdos começaram a ingressar no ensino superior, através das cotas, a língua foi se expandindo”, afirma Ângela.

Muitas conquistas, mas ainda vários desafios
Para Dirceu, desde o surgimento da Lei muitos aspectos já evoluíram e direitos foram garantidos. Por exemplo, o Decreto Federal nº 5.626, de 2005, instituiu o ensino de Libras nos cursos superiores que formam professores. A UFPel se tornou referência pela oferta da disciplina de Libras para os cursos de Licenciatura antes mesmo da promulgação. Na sequência, os surdos se formaram e começaram a ingressar como professores nas instituições. “Houve uma movimentação. A comunidade surda começou a ocupar espaços que jamais teria ocupado antes por causa da Lei”, observa a professora, que salienta ainda a legislação como origem da profissão de Tradutor Intérprete da Língua de Sinais (TILS). “Professores e TILS são profissionais essenciais para a disseminação da Libras no Brasil e garantir a acessibilidade das pessoas surdas”.

Dentre os desafios, Dirceu aponta a falta de legenda e tradução nas salas de cinema e ainda um maior entusiasmo e esforço por parte dos ouvintes para estudar Libras. “Todos são capazes de aprender. É preciso uma movimentação da sociedade”, afirma.

Também no rol de questões a serem superadas está o “limbo” relacionado ao cargo de TILS. Extinto em nível médio desde 2019, o cargo já está previsto em legislação como ensino superior, porém ainda não foi criado, apesar da luta da categoria. Assim, embora haja previsão de inclusão e acesso ao ensino superior, paradoxalmente não há concurso para a função – uma realidade em todo o Brasil. No momento, os profissionais que atuam nas universidades públicas são terceirizados. “Há uma defasagem de muitos anos. E entendemos que a terceirização é uma precarização”, avalia a professora.

O segmento da saúde, apontam, também ainda sofre com a falta de comunicação adequada. Ao precisar de atendimento em uma unidade de saúde ou serviço de emergência, o surdo não encontra condições adequadas de expressar suas queixas e compreender as orientações, o que reflete no atendimento e tratamento. “No Brasil, não existe acessibilidade nessa área. É necessário encontrar estratégias. É muito grave o que acontece”, relata a docente. Segundo ela, a Central de Intérpretes existente no município hoje atua nesse sentido, porém o intérprete de plantão pode não estar acostumado com as terminologias da área ou não teve formação específica para atuar nesses espaços.

Curso forma professores de Libras
Criado em 2022, o curso de Licenciatura em Letras Libras/Literatura Surda da UFPel busca formar professores da língua, atuando na educação de pessoas surdas e ouvintes. Habilita tanto para o ensino da Libras como primeira língua (no caso dos surdos) e de segunda língua (para pessoas ouvintes). A graduação tem um diferencial em relação aos outros cursos de Libras do país: é o único com a terminologia que evidencia a literatura surda. A proposta é favorecer o ensino da produção literária dessa comunidade nas escolas, assim como a de língua portuguesa.

Atualmente, o curso tem duas turmas em andamento, com 50 estudantes, entre surdos e ouvintes. Para ingressar, não é necessário saber Libras previamente. A admissão pode ser feita por meio do Sisu, do Programa de Avaliação da Vida Escolar (Pave) e ainda pelo processo seletivo específico, com vagas reservadas para surdos. Este último formato foi pensado para que a redação pudesse ser analisada levando-se em consideração que o português é a segunda língua da pessoa surda – um diferencial que não existe nos outros processos. Neste semestre, são esperadas aproximadamente mais 40 pessoas para a terceira turma.

Envolvendo a comunidade
O projeto de extensão “Libras em Ação”, ligado ao Centro de Letras e Comunicação (CLC) da UFPel, apresenta dicas sobre o uso da Língua de Sinais e sobre questões culturais das pessoas surdas. Além da produção de material voltado para o ensino e divulgação da Libras, tem algumas ações direcionadas para os profissionais da saúde.

Em breve, a Libras deverá entrar na lista de lista de cursos básicos de línguas para a comunidade, promovidos pelo CLC. A oferta ocorrerá quando a primeira turma de Licenciatura em Letras Libras/Literatura Surda chegar ao sexto semestre, já que são os estudantes que ministram as aulas. No momento, os acadêmicos atuam diretamente nas escolas Assis Brasil – referência no Ensino Médio, com classes próprias para surdos – e Alfredo Dub, a escola de surdos mais antiga do interior do estado.

Na UFPel
De acordo com a Coordenação de Acessibilidade (Coace), ligada à Pró-Reitoria de Ações Afirmativas e Equidade (Proafe), a UFPel tem 39 estudantes surdos ou com deficiência auditiva – nem todos fazem uso de Libras. Eles integram os cursos de Educação Física, Medicina Veterinária, Engenharia de Computação, Engenharia de Petróleo, Cinema de Animação e Letras Libras/Literatura Surda, além do Doutorado em Educação. A Coace atende também sete docentes e um técnico-administrativo que usam Libras.

A Coordenação é responsável pelo serviço de TILS e pela elaboração do Documento Orientador Pedagógico – documento que apresenta e organiza as estratégias de acessibilidade para cada estudante, elaborado pela psicopedagoga após avaliação individual e disponibilizado aos professores via Sistema Cobalto. Também elabora Documento Ocupacional do Servidor, propõe ações de Terapia Ocupacional e formações em Libras.

Para marcar a data
O curso de Letras – Libras/Literatura Surda promove, neste dia 24, uma palestra alusiva à data. O tema “Lei de Libras, 23 Anos: Avanços no Brasil e o Cenário Sul-Americano da Comunidade Surda” será abordado pela professora Keli Krause, da Universidade Federal do Pampa (Unipampa). A atividade será às 19h, no Auditório Acadêmico (quarto andar do Campus Anglo – Rua Gomes Carneiro, 1).