Programa de bolsas da UFPel traz interdisciplinaridade como tônica
Interdisciplinaridade é a palavra de ordem da nova iniciativa da Universidade Federal de Pelotas para o fomento da investigação científica. Recebendo o nome de Programa de Apoio à Pesquisa Interdisciplinar (Papin), a ação busca unir programas de pós-graduação de várias áreas do conhecimento na busca de soluções de problemas latentes na sociedade.
Proposto pela Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação, por meio de seu Núcleo de Interdisciplinaridade, Avaliação e Planejamento (Niapp/PRPPG), o novo programa é parte de uma proposta institucional da UFPel para a qual o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) destinou uma série de bolsas. “Há muito tempo, tínhamos vontade de fazer, mas nos faltava o recurso; por isso, aproveitamos essa oportunidade”, conta o chefe do Núcleo, Gustavo Maia.
Segundo o chefe do Niapp, existe uma tendência mundial em ciência voltada para a interface entre áreas específicas do conhecimento; o objetivo é enfrentar grandes temas enfrentados pela humanidade como um todo, que, segundo ele, não conseguem ser resolvidos quando encarados apenas no interior das disciplinas.
Mas percebendo a UFPel como uma Universidade fragmentada, com relações entre áreas ainda difíceis, ficava o questionamento de como enfrentar essas questões. Assim, pensou-se a proposta em criar condições para que, ao mesmo tempo em que se enfrentassem essas questões vividas pela humanidade, por meio das expertises encontradas na instituição, também se pudesse integrar áreas que trabalhassem esses temas de forma separada.
Dessa maneira, o edital foi construído de forma a garantir essa integração: ao mesmo tempo em que o problema de pesquisa tivesse que estar ligado a pelo menos dois dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Organização das Nações Unidas, os projetos deveriam unir pesquisadores ligados a um número mínimo de programas de pós-graduação (PPG) e de colégios de áreas do conhecimento. Além disso, os bolsistas selecionados para desenvolverem os trabalhos contidos pelo projeto deveriam ter orientador e co-orientador de diferentes PPGs.
O coordenador de Pós-Graduação da PRPPG, Rafael Vetromille de Castro, afirma que, apesar do pouco tempo de prazo para inscrições, foi surpreendido pela quantidade e qualidade das propostas apresentadas. A opinião é compartilhada por Maia: “Percebemos que temos demanda para esse tipo de projeto”.
Essa é uma ação inovadora nas universidades brasileiras, segundo os gestores. “Colocado como regra, não é comum de se encontrar”, pontua o coordenador.
Castro diz esperar que esse edital seja apenas um despertar para um trabalho cada vez mais integrado entre as áreas de conhecimento na UFPel: “A interdisciplinaridade não deve ocorrer apenas no papel”. De acordo com o coordenador, o foco interdisciplinar permite que se avance sobre as fronteiras do conhecimento. “Devemos forçar esse limite para cada vez mais longe”, diz.
Mulheres, arte e inovação em conservação
Por muitos anos, a Escola de Belas Artes foi um espaço de educação para a arte em Pelotas. E foram diversas as mulheres que trilharam sua formação artística no local. No entanto, quem eram essas mulheres? E onde estão suas obras? Essas são algumas das perguntas que buscarão ser respondidas pelo “Projeto interdisciplinar de valorização da produção artística feminina por meio da ciência: as artistas mulheres da Escola de Belas Artes de Pelotas”.
“Partimos do pressuposto de que obras femininas aparecem menos”, afirma a coordenadora do projeto, professora Daniele Fonseca, do Programa de Pós-Graduação em Memória Social e Patrimônio Cultural. Dessa maneira, uma das ideias-guia do projeto é justamente tirar das sombras tais obras e trajetórias.
Integram-se a essa proposta programas de pós-graduação como os de História, Artes e Química. Assim, serão propostas análises das pinturas em quesitos tão diferentes quanto a sua composição estética quanto dos suportes e materiais usados, além do registro das memórias das artistas.
Daniele explica que, entre os objetivos do projeto, está a proposição de formas de intervir em suportes e materiais usados na época, como eucatex e tintas acrílicas, para os quais ainda não há tanta literatura disponível. “E quando há, a análise é feita em obras de pintores masculinos”, pontua a coordenadora. Ao se produzirem trabalhos advindos de obras femininas, esta seria mais uma forma, segundo ela, de promover os nomes de artistas mulheres.
Várias são as possibilidades trazidas com o início dos trabalhos, segundo Daniele. Além da produção das teses e dissertações, também estão sendo pensados catálogos, exposições e materiais didáticos. Também pensam-se em propostas de técnicas e materiais a serem usados em intervenções de conservação e restauração.
Por isso, todos os trabalhos beberão da mesma fonte, alimentando-se uns dos resultados dos outros, conta a docente. “Sairemos das nossas paredes, abordagens, metodologias… Isso amplia horizontes”, diz.
Em busca de vencer resistências
A resistência antimicrobiana (RAM) tem sido considerada um problema de saúde pública global nos últimos anos. Essa oposição ao efeito de medicamentos antibióticos põe em risco tratamentos para infecções, prologando enfermidades e aumentando o número de mortes. Por isso, a ciência tem buscado novas soluções de forma a evitar tal problema.
Partindo dessa situação, o projeto “Abordagem integrada para o controle da resistência antimicrobiana: uma perspectiva One Health” teve por motivação inicial reunir diferentes pesquisadores dentro da própria UFPel que já tinham iniciado estudos ao redor desse assunto, conforme conta o coordenador da proposta, professor Rafael Lund, docente dos programas de pós-graduação em Odontologia e em Bioquímica e Bioprospecção.
Assim, conseguiu reunir investigadores de sete diferentes PPGs: Bioquímica e Bioprospecção, Biotecnologia, Ciência e Engenharia de Materiais, Computação, Enfermagem, Microbiologia e Parasitologia e Odontologia. A ideia é, a partir de todas essas áreas do saber, conseguir propor diferentes perguntas – e suas consequentes respostas – para o combate à resistência antimicrobiana.
Entre as proposições trazidas pelo projeto, estão o levantamento epidemiológico de casos de resistência, um inventário das tecnologias existentes para o enfrentamento da RAM em ambiente hospitalar, o estudo de novos materiais antimicrobianos para fazer frente a esses microrganismos multirresistentes, além da avaliação de perfil molecular e genômico desses organismos mais relacionados à RAM.
A interdisciplinaridade nesse contexto, segundo Lund, é fundamental, visto que permite uma visão holística do problema: “É essa mistura de saberes que proporciona a produção de conhecimento”. Assim, conforme se agregam as diferentes áreas, vai se produzindo o novo, conforme diz o coordenador. “Para se ter a inovação, é necessária a mistura”, pontua.
Aprendizado de máquina e saúde
O advento da inteligência artificial (IA) tem trazido consigo novas possibilidades, mas novos desafios. Um exemplo é a aplicação dessa tecnologia no contexto da saúde. Ferramentas de aprendizado de máquina (machine learning) têm sido promissoras na previsão de doenças e problemas de saúde. No entanto, como esse contexto pode chegar a serviços de saúde, especialmente aos sistemas públicos?
É nesse questionamento que se insere o projeto “Inovação e saúde: potencialidades, limites e perspectivas do uso do aprendizado de máquina no contexto do acesso à saúde”. Liderado pelo professor do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem Bruno Nunes, tem por objetivo reunir pesquisadores de PPGs como Direito, Ciência Política e História para entender essa inovação e suas consequências.
“Queremos discutir não apenas o modelo, mas também suas aplicações no Sistema Único de Saúde, por exemplo”, conta Nunes. Esse debate envolverá temas como os desafios éticos, legais, jurídicos e até mesmo das desigualdades sociais que poderão ser aprofundadas com a consolidação dessas ferramentas. Também serão discutidas questões como quem será responsável por possíveis erros do algoritmo ou como os dados recolhidos poderão ser manipulados.
A partir, então, dessa reunião de pessoas que tem interesses comuns em pesquisa, mas olhando por óticas diversas, busca-se trazer algumas respostas a essas indagações. “A gente fala muito em interdisciplinaridade, mas aplica pouco”, afirma o coordenador do projeto.
Partindo dessas diferentes visões, o projeto tem o objetivo em colaborar com o Brasil na adoção dessas tecnologias, de maneira segura e ética. “Fazemos parte desse processo histórico, e nosso país não está preparado para isso”, diz o pesquisador.