Epidemiologia contribui com o Unicef sobre desafios da nutrição infantil
Uma em cada três crianças com menos de cinco anos está desnutrida ou com sobrepeso no mundo, enquanto metade das crianças tem deficiência de vitaminas e nutrientes essenciais ao organismo – quadro chamado de fome oculta. Esse é um dos alertas do relatório Situação Mundial da Infância, lançado na segunda-feira (14), pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef).
O documento, que traz dados e análises inéditos sobre alimentação e nutrição de crianças em nível global, é fruto do trabalho de uma rede internacional de agências de saúde e instituições de pesquisa, com a participação do Centro Internacional de Equidade em Saúde da Universidade Federal de Pelotas.
Os dados revelam que um terço da população infantil sofre as consequências da má nutrição em suas formas mais visíveis: o déficit de crescimento para a idade, a desnutrição aguda e o sobrepeso. Na faixa etária entre seis meses e dois anos – um período crítico do desenvolvimento infantil – duas em cada três crianças não estão recebendo a alimentação necessária para o desenvolvimento saudável do corpo e do cérebro. Esse cenário compromete o desenvolvimento físico e cognitivo, o que coloca as crianças em risco de dificuldades de aprendizagem, falta de atenção e baixo desempenho escolar, função imunológica debilitada, aumento de infecções e, em muitos casos, de morte.
“Infelizmente, como mostra este relatório, muitas de nossas crianças e nossos adolescentes não estão recebendo a alimentação de que precisam, o que está minando sua capacidade de crescer, desenvolver-se e aprender em todo o seu potencial”, diz a diretora-executiva do Unicef, Henrietta Fore.
Segundo o relatório, os países enfrentam uma tripla carga da má nutrição. Antes ligada apenas a imagens de fome, a má nutrição hoje responde por atrasos do crescimento e baixo peso infantil, deficiência de vitaminas e nutrientes e, também, pelo crescente número de crianças e adolescentes afetados por excesso de peso e obesidade.
São 149 milhões de crianças menores de cinco anos que estão com baixa estatura para a idade, 50 milhões estão abaixo do peso saudável; 340 milhões de crianças sofrem com a fome oculta, e as taxas de sobrepeso e obesidade estão subindo rapidamente – de 2000 a 2016, a proporção de crianças e adolescentes com excesso de peso (5 a 19 anos) aumentou de uma em dez para quase uma em cinco. O sobrepeso e a obesidade podem, ainda na infância e adolescência, levar ao aparecimento de alterações de colesterol, triglicerídeos, níveis de açúcar no sangue e pressão arterial, além dos problemas psicossociais relacionados ao estigma da obesidade. A longo prazo, está associado ao aumento da probabilidade de desenvolver doenças cardiovasculares, diabetes, e outros distúrbios metabólicos.
Os autores identificam, no centro desse desafio, um sistema alimentar que falha em fornecer às crianças a alimentação saudável de que necessitam. “A má nutrição deve ser entendida em um cenário de rápidas mudanças, incluindo o crescimento das populações urbanas e a globalização dos sistemas alimentares – que está levando ao aumento da disponibilidade de alimentos ricos em calorias, mas baixos em nutrientes”, diz o texto do relatório.
Atualmente, as dietas das crianças refletem cada vez mais a transição nutricional global, em que as comunidades – especialmente famílias mais pobres – adotam dietas que relacionadas à maior disponibilidade de “calorias baratas” provenientes de alimentos gordurosos e açucarados. São produtos da indústria alimentícia altamente processados, ricos em gorduras saturadas, açúcar e sódio, e pobres em nutrientes e fibras essenciais – com alta densidade energética e baixo teor de micronutrientes.
“E por que dietas saudáveis estão ficando mais caras, enquanto dietas não saudáveis e não nutritivas estão ficando mais baratas?”, questiona a diretora-executiva do Unicef.
O relatório, em sua conclusão, traz uma agenda de cinco etapas para que governos, setor privado, pais, famílias e empresas coloquem os direitos nutricionais das crianças em primeiro lugar:
1. Capacitar famílias, crianças e jovens para que exijam alimentos adequados e saudáveis, inclusive melhorando a educação nutricional e usando legislação comprovada – como impostos sobre o açúcar – para reduzir a demanda por alimentos não saudáveis.
2. Instar os fornecedores de alimentos para que façam o que é certo para as crianças, incentivando o abastecimento de alimentos saudáveis, convenientes e acessíveis.
3. Construir ambientes alimentares saudáveis para crianças e adolescentes usando abordagens comprovadas, como rotulagem precisa e fácil de entender e controles mais fortes sobre a comercialização de alimentos não saudáveis.
4. Mobilizar sistemas de apoio – saúde, água e saneamento, educação e proteção social – para melhorar a alimentação e a nutrição de todas as crianças.
5. Coletar, analisar e usar dados e evidências de boa qualidade regularmente para orientar as ações e acompanhar o progresso.