Estudo propõe novo indicador de monitoramento da atenção ao pré-natal
Um estudo do Centro Internacional de Equidade em Saúde da Universidade Federal de Pelotas (ICEH, na sigla em inglês) propõe um novo indicador de atenção ao pré-natal que leva em consideração o contato com o serviço e um conjunto de cuidados recebidos pelas mulheres durante o período gestacional. Esse é um diferencial em relação aos indicadores tradicionais, que se baseiam apenas no número de consultas realizadas durante a gestação.
“A estratégia tradicional de medir o cuidado pré-natal apenas com base no número de consultas apresenta limitações importantes, já que receber o mínimo de consultas recomendado não garante que sejam oferecidas todas as intervenções necessárias para uma adequada atenção pré-natal”, explica a pesquisadora do ICEH, Luisa Fernanda Arroyave, autora do estudo desenvolvido em tese de doutorado do Programa de Pós-Graduação em Epidemiologia da UFPel, sob orientação do professor Aluisio J. D. Barros.
O acesso ao pré-natal adequado está relacionado com melhores condições de saúde tanto para a mãe quanto para o recém-nascido. O monitoramento da atenção recebida pelas mulheres durante esse período é uma ferramenta central de programas de saúde pública para reduzir a mortalidade de mães e crianças, especialmente em países de renda baixa e média.
“Identificamos a necessidade de um indicador que capturasse o espectro da atenção pré-natal de forma mais ampla, e que fosse uma medida padronizada e comparável para uso no monitoramento dos países rumo aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável”, acrescenta Arroyave.
O novo indicador, ANCq, do inglês Antenatal Care Coverage and Quality, leva em conta sete variáveis, duas sobre o contato com o serviço e cinco sobre o conteúdo da atenção. O cálculo do indicador é feito com base em uma pontuação resultando em um escore de zero a dez, partindo de zero, para mulheres sem qualquer atenção pré-natal, até dez, para as que receberam a pontuação máxima em cada item. O escore final permite observar a proporção de mulheres em cada pontuação e o nível de adequação do cuidado, considerando todas as gestantes em necessidade de atenção da população em análise.
Para testar a proposta, os autores usaram dados sobre a atenção pré-natal de inquéritos nacionais de 63 países de renda baixa e média, avaliando também as desigualdades dentro de um mesmo país e entre eles. Os resultados, publicados no Journal of Global Health, mostram que o ANCq apresenta associação positiva com a sobrevida das crianças – quanto maior a pontuação recebida pelas mães, menor a mortalidade neonatal dos recém-nascidos, sugerindo que o indicador está captando aspectos relevantes da atenção pré-natal.
“Isso nos indica que ele serve como uma ferramenta útil para o monitoramento da cobertura e adequação da atenção pré-natal, além de ser fácil de calcular e fornecer um padrão para a comparação entre países, o que facilita o monitoramento ao longo do tempo”, explica a autora.
Em recente relatório do Countdown to 2030 sobre saúde materna e do recém-nascido em países de renda baixa e média, a aplicação do ANCq identificou grandes brechas entre o acesso à atenção, considerando só o número de visitas, e a adequação da atenção pré-natal, usando o ANCq. Por exemplo, na maioria dos países da África Subsaariana, embora mais de 90% das gestantes tenham recebido pelo menos uma visita pré-natal, a observação dos parâmetros do ANCq mostra que essa cobertura cai drasticamente, para apenas 35% em países como Burundi, Ruanda, Tanzânia, Uganda e Quênia. Isso é indicativo de que altos níveis de acesso não estão se traduzindo em altos níveis de adequação do pré-natal.
Outra característica relevante do indicador diz respeito à sensibilidade para captar desigualdades socioeconômicas na atenção pré-natal. Em outra frente do estudo, Arroyave e colegas usaram o ANCq para avaliar as diferenças no indicador de acordo com nível de riqueza, local de residência, escolaridade da mulher, e empoderamento feminino a partir das informações dos mesmos 63 países de que entraram no estudo de validação do indicador. Em quase todos os países, as análises, publicadas no International Journal for Equity in Health, encontraram pontuações mais altas do ANCq entre as mulheres que moram nas áreas urbanas, têm ensino médio ou superior, pertencem aos estratos mais ricos e têm níveis mais altos de empoderamento. Em relação a esses achados, os autores ressaltam a importância de abordagens adequadas para monitorar as desigualdades na atenção pré-natal dentro de um mesmo país e entre eles.
“Vivemos em um mundo extremadamente desigual, onde, por exemplo, o acesso e a qualidade dos serviços não são fornecidos de maneira igual para todos os indivíduos, devido a diferentes barreiras, principalmente socioeconômicas. Um dos nossos objetivos na hora de criar o ANCq era precisamente ter um indicador que servisse para avaliar não só a cobertura e adequação do cuidado, mas também pudesse ser usado para avaliar desigualdades, com o intuito de fornecer evidências para práticas, programas e políticas destinadas a reduzir as desigualdades e garantir que ninguém seja deixado para trás”, conclui autora.
Foto: John Mbenguè/Creative Commons