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Professora da UFPel é premiada na 3ª edição do “25 Mulheres na Ciência América Latina”

A professora Giana da Silveira Lima, da Faculdade de Odontologia da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), é uma das vencedoras da 3ª edição do “25 Mulheres na Ciência América Latina”, uma iniciativa que busca destacar mulheres que promovam e desenvolvam projetos no campo científico. O Brasil é representado por oito pesquisadoras de sete Estados. Completam o time profissionais da Colômbia, Chile, Costa Rica e México.

O projeto tem como objetivo ampliar a visibilidade das mulheres em iniciativas científicas e os impactos gerados na sociedade inspirando meninas, jovens e mulheres em países latino-americanos a estudar as disciplinas STEM (em português, Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática), além de reforçar a importância de sua participação em áreas majoritariamente dominadas por homens.

A professora da UFPel trabalha na criação de composições odontológicas poliméricas que contêm metacrilatos metálicos na formulação de sistemas adesivos, selantes, cimentos e compósitos. Com ação antimicrobiana, elas têm aplicação em prótese, dentística, ortodontia, odontopediatria e implantodontia, entre outras áreas.

Profa. Giana Lima (C) desenvolve atividades no Centro de Desenvolvimento e Controle de Biomateriais (CDC-Bio)

A convicção na valorização feminina instigou a docente a inscrever-se no certame. Junto a isso, somou-se o que considera um equilíbrio na carreira que escolheu – Giana divide-se nas funções de pesquisadora, coordenadora de pós-graduação e professora, sendo uma entusiasta do envolvimento dos estudantes em sala de aula. “Eu gosto muito da graduação. Invisto muito tempo para fazer aulas diferentes, que incentivem e estimulem. Eu trabalho com materiais odontológicos, que é uma matéria considerada difícil, mas eu acredito que ela seja a base para uma clínica realmente diferente. Então eu quero despertar nos meus alunos essa consciência”, conta. Segundo ela, a produção científica de qualidade e consistência, somadas à função administrativa e docente formaram um conjunto de características apto à disputa. “Acho que tenho uma trajetória que pode ser inspiradora para as meninas e mulheres que possam ter dificuldades e que acham que não vão conseguir, que não é possível”, conta.

Segundo dados da UNESCO, em todo o mundo, as mulheres representam apenas 35% dos que buscam o ensino superior em STEM e menos de 30% dos pesquisadores científicos. O desequilíbrio de gênero limita as possibilidades de inovação e de novas perspectivas para solucionar desafios atuais e futuros.

De acordo com a professora, disparidades de gênero ligadas às atividades de pesquisa e inovação são bem conhecidas. “Creio que o principal obstáculo para mulheres fazerem ciência na América Latina seja a falta de oportunidades”, diz, ao mencionar que as instituições de fomento devem entender que ações para promoção de equidade de gênero ampliam a diversidade, produtividade, competitividade e implicam em maior chance de inovação e aumento do retorno econômico. “Acredito que o empoderamento feminino muda o mundo. Precisamos de uma sociedade em que as mulheres tenham oportunidades e sejam valorizadas em todas as áreas. A ciência gera conhecimento, ultrapassa opinião, preconceitos e permite que as melhores decisões possam ser tomadas”, avalia.

O projeto em destaque
Para se inscrever, além de apresentar currículo, a trajetória acadêmica e participar de entrevista, a candidata precisava ainda indicar um projeto de relevância em sua carreira. A docente da UFPel mencionou o estudo “Composições Odontológicas antibacterianas contendo metacrilatos metálicos polimerizáveis”, que deu origem a patentes nacional e internacional. A pesquisadora faz questão de salientar a construção coletiva do projeto que foi destaque na concessão do prêmio. Dentre os 11 autores, oito são mulheres.

O projeto vem sendo realizado há mais de dez anos nos estudos da linha de pesquisa de Desenvolvimento e Caracterização dos Biomateriais do Programa de Pós-Graduação em Odontologia (PPGO/UFPel). As duas patentes conquistadas são fruto de uma série de trabalhos, teses de doutorado, dissertações de mestrado e trabalhos de conclusão de curso de graduação em Odontologia realizados pelos docentes e discentes que fazem parte da equipe. Junto às patentes, foram obtidos, como resultados, artigos científicos e formação de recursos humanos.

A invenção refere-se a composições odontológicas poliméricas que contenham metacrilatos metálicos na formulação de sistemas adesivos, selantes, cimentos e compósitos. As composições apresentam variadas aplicações em odontologia em prótese dentária, dentística, ortodontia, odontopediatria, implantodontia e endodontia. Em particular, a invenção refere-se a composições odontológicas poliméricas antimicrobianas que contenham metacrilatos metálicos na formulação, como metacrilato de cálcio, de estanho, de cobre, de prata, de níquel, de titânio e de ferro.

A professora explica que se trata de um trabalho de desenvolvimento passo a passo, em que é avaliada a influência de componentes específicos, um após outro, e seu efeito no material desenvolvido. “É uma pesquisa bem de base, em que a gente vai acrescentando informações aos poucos para conseguir chegar no resultado final”, afirma.

As composições poliméricas são a base da grande maioria dos materiais odontológicos utilizados para restaurações. As investigações do grupo da UFPel buscam qualificar esses materiais e agregar benefícios em sua utilização – nesse caso, a adição de um efeito antimicrobiano no material utilizado, como uma proteção adicional. Por exemplo, pode ser utilizado para fixar os bráquetes no aparelho ortodôntico fixo. Nesse caso específico, a ingestão de alimentos pode ocasionar retenção de placa e maior chance de desenvolver lesão de cáries – mas um efeito antimicrobiano teria a função de evitar que esse acúmulo favoreça o crescimento microbiano. “Vai tornar aquele meio menos favorável para os microorganismos que podem causar uma alteração, doença ou desequilíbrio”, ressalta. Essa base pode ser aplicada ainda em inúmeras outras situações, como casos de lesões de cárie e tratamento de canal.

De acordo com a pesquisadora, já existem alguns materiais que possuem esse efeito, mas a maioria é do exterior. São também mais caros e muitos deles têm aditivos que não são da matriz polimérica do material. A composição da resina é formada por monômeros, que são pequenas moléculas. O próprio agente antimicrobiano é um monômero, que faz parte dessa matriz. A pesquisadora explica que além de serem parte do corpo do material, esses monômeros funcionalizados têm um metal “preso” na molécula e esse próprio metal traz a função antimicrobiana. Não é necessário inserir um outro componente diferente: é o próprio constituinte da matriz que tem esse efeito. “A grande maioria dos materiais que já existem no mercado são aditivos. É inserido um líquido ou um óleo essencial, ou outro componente que não é da matriz polimérica, então ele tem mais chance de ser perdido, mais chance de o efeito ser menos duradouro. Essa incorporação de componentes diferentes pode tornar o material mais fraco. E no nosso, como faz parte do próprio material, ele vai permanecer ali, não vai ser lixiviado, solubilizado. Os já existentes têm uma matriz polimérica boa, com uma boa resistência mecânica, mas ao se adicionar o componente antimicrobiano eles perdem resistência mecânica. No nosso não aconteceria isso”, pontua.

Segundo Giana, o impacto deste tipo de estudo na sociedade é a possibilidade de desenvolvimento de materiais diferenciados e com alto desempenho para aplicação em saúde, com foco na odontologia e o licenciamento de tecnologia para obtenção de produtos com valor agregado para o país. “Com possibilidade de aplicação nos serviços de saúde nacionais bem como exportação de tecnologia”, observa.

Assinam a invenção as pesquisadoras e pesquisadores Giana Lima, Rafael Guerra Lund, Evandro Piva, Adriana Fernandes da Silva, Wellington Luiz de Oliveira da Rosa, Raíssa Coi de Araújo, Andressa Goicochea Moreira, Julia Adornes Gallas, Tharsis Christini de Almeida Rossato, Juliana Silva Ribeiro e Alexandra Rubin Cocco. As pesquisas são desenvolvidas no Centro de Desenvolvimento e Controle de Biomateriais (CDC-Bio), da Faculdade de Odontologia da UFPel.

Outros projetos em que está envolvida, mencionados pela docente em sua trajetória, são o Global Observatory for Dental Care – Godec (Observatório Global para Assistência Odontológica), em conjunto com o Ministério da Saúde, e Novo Sistema de Autorreparo para Restaurações Dentárias, estudo que desenvolveu um novo sistema de autorreparo para resinas compostas com emprego de microcápsulas reparadoras – um defeito de propagação de trinca pode quebrar as cápsulas, liberando um líquido de monômeros que, em contato com o catalisador, é polimerizado e repara a trinca formada, evitando possíveis fraturas da restauração e, podendo assim, diminuir a necessidade de substituições de restaurações e intervenções clínicas.

Sobre a premiada
Natural de Belo Horizonte (MG) mas com raízes gaúchas, Giana Lima tem 42 anos, é casada e mãe de três filhas. Cursou graduação de 2000 a 2003, mestrado (2006) e doutorado (2009) e pós-doutorado (2011) na Faculdade de Odontologia e no Programa de Pós-Graduação em Odontologia da UFPel (PPGO). Tem experiência na área de Odontologia, com ênfase em Materiais Odontológicos e Dentística, atuando no desenvolvimento de biomateriais odontológicos e nanobiotecnologia.

É docente na Faculdade de Odontologia da UFPel desde 2013 e atualmente é coordenadora do PPGO/UFPel, nota seis na Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), considerada de excelência.

Sobre o prêmio
O processo de avaliação foi conduzido por um júri de representantes da área de Pesquisa & Desenvolvimento da 3M na região, e convidados externos com ampla experiência nas áreas de ciência, pesquisa, inovação, sustentabilidade e empreendedorismo. Entre os critérios avaliados estavam: potencial de impacto social direto ou indireto na região, inovação e viabilidade do projeto; maturidade da ideia demonstrada pelos resultados dos testes/pilotos iniciais; capacidade e experiência da candidata para desenvolver o projeto apresentado, problemas a serem resolvidos, inovação e/ou solução, e o impacto a nível local e/ou na comunidade após a implementação.

Para se inscreverem as participantes deveriam ser maior de idade, nascida e formada e/ou residente em um país latino-americano; ser autora ou ter participado na liderança de pelo menos um projeto com ao menos um protótipo/piloto de teste da ideia de inovação científica com base em STEM; possuir documentação que validasse a propriedade intelectual e/ou a fé do projeto inscrito e interesse em dar visibilidade à ciência a partir de uma perspectiva feminina, apoiando o empoderamento das mulheres no campo das disciplinas STEM.

A equipe brasileira reconhecida na edição deste ano traz representantes das cidades de Jaboatão dos Guararapes (PE), Porto Alegre (RS), Pelotas (RS), Manaus (AM), Fortaleza (CE), Rio de Janeiro (RJ), Aracaju (SE) e Florianópolis (SC). Os projetos contemplam questões ambientais e de saúde.