Universidades devem manter a inquietude, disse Boaventura
O professor português Boaventura de Sousa Santos disse, em sua manifestação nos atos de recebimento do título de Doutor Honoris Causa, concedido pela UFPel e pela UCPel, que as universidade devem manter a inquietude, ensinar o conhecimento dos vencidos e fazer projetos voltados aos interesses nacionais. A cerimônia foi realizada na noite desta segunda-feira (4), no Teatro Guarany, em Pelotas.
Bem humorado, começou sua palestra considerando que é preciso ter mais razoabilidade e menos racionalidade. Agradeceu às duas universidades dizendo que talvez aquele fosse um momento inédito, do recebimento dos dois títulos ao mesmo tempo. E aproveitou para propor para a UFPel e para a UCPel que tenham mais ações conjuntas, como o lançamento de publicações.
Mas o tom da fala do renomado autor e pesquisador foi ganhando perfis mais graves quando afirmou que vivemos um ciclo reacionário e conservador global, que acaba por afetar também as universidades.
“As três formas de dominação, capitalismo, colonialismo e patriarcado, agem em conjunto, formando um ciclo com muitas dimensões”, alertou Boaventura. Este fenômeno, conforme o professor, tem consequências extremamente danosas, como a desconfiguração do estado; a descaracterização da democracia; a destruição da natureza e a desvalorização do trabalho. Citou também um recrudescimento do racismo e do patriarcado e o que ele considerou como o reflexo mais grave de todos, a criminalização dos protestos sociais.
Mas qual seria o papel das universidades no meio deste contexto? “É o de ser um lugar onde se pensam alternativas”, ensinou, fazendo referência ao que deve nortear as pesquisas feitas nestas instituições. Lembrou ainda que o planejamento deve ser feito a médio e longo prazos.
Motivos
A exposição de motivos da outorga do título foi feita pelos professores Naomar Almeida Filho, Lilian Celiberti e Regina Nogueira.
“É um inspirador de experiências institucionais nas Universidades, reconhecido literato, com vasta contribuição acadêmica e social”, assinalou Naomar. Já a professora Regina Nogueira frisou que Boaventura é uma referência para que todos “continuem na luta”. “Ele propôs o conceito da Ecologia dos Saberes”, ressaltou, recordando ainda o novo marco epistemológico de Boaventura, tomado como referência na atualidade. “Boaventura dá respostas a perguntas fortes, especialmente às que dizem respeito às desigualdades profundas e às relações sociais cotidianas”, observou Lilian Celiberti.
Reitores
Em sua fala, o reitor da UFPel, Pedro Curi Hallal, agradeceu ao professor português por inspirar a todos. “Boaventura faz parte do grupo especial de pessoas que, com suas obras, colaboram para mudar o mundo”, afirmou.
Já o reitor da UCPel, José Carlos Bachettini Júnior, lembrou a atuação de Boaventura na área dos direitos humanos e disse que os títulos são um agradecimento por sua contribuição acadêmica.
Compôs ainda a mesa oficial da cerimônia, que superlotou com mais de mil pessoas o Teatro Guarany, a prefeita de Pelotas, Paula Mascarenhas.
Currículo
O professor Boaventura é catedrático em Sociologia do Direito pela Universidade de Yale, professor catedrático jubilado da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra e distinguished legal scholar da Universidade de Wiscosin-Madison. Foi também global legal scholar da Universidade de Warwick e professor visitante do Birkbeck College da Universidade de Londres.
É diretor do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra e Coordenador científico do Observatório Permanente da Justiça Portuguesa.
Dirige atualmente o projeto de investigação “Alice – Espelhos estranhos, lições imprevistas, definindo para a Europa um novo modo de partilhar as experiências do mundo”, financiado pelo Conselho Europeu de Investigação (ERC), um dos mais prestigiados e competitivos financiamentos para a investigação científica de excelência em espaço europeu.
Autor reconhecido e premiado em diversas partes do mundo, tem escrito e publicado extensivamente nas áreas de sociologia do direito, sociologia política, epistemologia e estudos pós-coloniais, sobre movimentos sociais, globalização, democracia participativa, reforma do Estado e direitos humanos, além de fazer trabalhos de campo em Portugal, no Brasil, na Colômbia, em Moçambique, em Angola, em Cabo Verde, na Bolívia e no Equador. Seus textos se encontram traduzidos em espanhol, inglês, italiano, francês, alemão e chinês.
É também poeta. A escrita de poesia foi sempre acompanhando o labor do acadêmico e intelectual público.
Em destaque, o seu engajamento com as causas sociais, com os povos oprimidos, com as experiências emancipatórias, com as vivências de alternativas originais das populações do sul (da periferia do capitalismo), buscando, na publicização dessas experiências, possibilidades de resistência e alternativas contra-hegemônicas.
“Nesta perspectiva, sua contribuição na análise do contexto brasileiro e de outros países considerados periféricos ou semi-periféricos, se comparados com os países do centro do poder econômico, tornaram visíveis práticas alternativas importantes que fizeram emergir movimentos potentes de uma vida decente”, ressaltou a pró-reitora de Ensino da UFPel, Fátima Cóssio.
Este foi o 17º título de Doutor Honoris Causa concedido pela UFPel, o segundo para portugueses. O primeiro foi para o ex-primeiro-ministro de Portugal Mário Soares.