Mulheres na ciência e a pandemia
A pandemia da Covid-19 tem afetado a produção científica como um todo, mas o isolamento social e o trabalho remoto prejudicou muito mais a produção das cientistas mulheres do que a dos cientistas homens. Além das tarefas normais do trabalho, as mulheres precisam dar conta de diversas outras, dependendo da realidade de cada pesquisadora, como as tarefas de casa e a educação dos filhos.
É importante destacar que no ambiente acadêmico já existia uma grande disparidade entre a produção dos homens e das mulheres mesmo antes da pandemia. Pelos dados da UFPel, é possível verificar que as mulheres estão mais presentes na academia, mas à medida em que o nível de escolaridade vai aumentando, a presença delas vai diminuindo. Na graduação, por exemplo, são 9405 estudantes do sexo feminino e 7842 do sexo masculino. Na especialização elas representam 62% dos estudantes, no mestrado acadêmico a participação cai para 60% e no doutorado para 56%, ainda assim superior à presença dos homens. Contudo, a igualdade ainda é uma realidade distante, de acordo com IBGE, as mulheres ganham em média 20,5% a menos do que os homens e esta média cai ainda mais considerando as mulheres que são mães, que recebem 40% a menos.
Analisando os dados, é possível verificar que o número de docentes mulheres e homens é bem próximo na UFPel. Ao todo, são 678 professoras e elas são mais qualificadas, quase a totalidade possuem doutorado (672), já dos 672 professores homens, apenas 592 possuem doutorado. Contudo, ao analisar o topo da carreira a realidade inverte, são os homens que acabam tendo mais destaque. Dos docentes com Bolsas de Produtividade em Pesquisa (PQ) e de Desenvolvimento Tecnológico e Extensão Inovadora (DT), cem são homens e apenas 58 são mulheres e dos docentes contemplados com cotas de bolsas de Iniciação Científica (IC), 295 são homens e 177 são mulheres. Um dos motivos dessa inversão é a maternidade, que se torna a escolha de algumas cientistas enquanto estão chegando ao auge da profissão.
A responsável pelo laboratório GDISPEN e coordenadora do projeto Modelagem Matemática da Evolução da Covid-19, professora Daniela Buske, mãe da Evelyn de 7 anos, conta que após o nascimento da filha, em 2013, a produção científica diminuiu. Por este motivo perdeu a bolsa PQ, que só foi reconquistada após novo pedido no ano seguinte. Com o início da pandemia, ela divide o seu tempo entre as pesquisas, o acompanhamento da filha nas aulas online, as brincadeiras e as atividades da casa. Para dar conta das publicações do projeto sobre a evolução da Covid-19, muitas noites são utilizadas na preparação do material, enquanto a filha descansa. “Aqui ambos somos docentes da UFPel e trabalhamos juntos, então as reuniões, orientações dos diversos alunos online, lives e atividades de pesquisa têm com frequência a participação especial da Evy”, explica Daniela.
A coordenadora do Laboratório de Pesquisa em Farmacologia Bioquímica (LaFarBio) do Centro de Ciências Químicas, Farmacêutica e de Alimentos da UFPel e membro do Grupo de Pesquisa em Neurobiotecnologia, Cristiane Luchese, mãe da Manu de nove meses, saiu da licença-maternidade e quando estava retomando as pesquisas e orientações dos alunos, teve início o isolamento social para conter a pandemia. “Neste momento me vi em casa com uma bebê de seis meses, a casa para cuidar, além de todas as minhas atribuições como pesquisadora. Para muitos seria uma tarefa simples escrever um artigo em casa. Entretanto, quando se é mãe, cuidando de um bebê, essa tarefa se torna impossível. Muitos tentam trazer o papel do pai neste momento. Sem dúvida, minha filha tem um pai presente, mas ela quer a mãe”, explica Cristiane que só consegue concentração efetiva nas tarefas de trabalho quando a Manu dorme. “Na maioria das vezes ela participa de reuniões, de seminários de grupo, de defesas e as cobranças seguem, tenho prestação de contas de projetos, defesa de alunos, submissão de artigos, revisão de artigos e por aí vai”, finaliza.
Em tempos de pandemia, como elas estão?
Uma live que ocorrerá na quinta-feira (4), às 17h30min, na página da UFPel no Facebook, discutirá essa nova realidade e as possibilidades de ação para que as desigualdade de gênero dentro da acadêmia sejam reduzida. Intitulada Em tempos de pandemia, como elas estão? Os novos desafios para a equidade de gênero na ciência, a live contará com a participação da professora do curso de Psicologia, Camila Peixoto Farias, mãe do Inácio de um ano e nove meses e coordenadora de um projeto da UFPel que pesquisa a realidade das mulheres para a produção de conhecimento científico e construção de ações de enfrentamento e cuidado durante e após a pandemia.
A coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Odontologia, Tatiana Pereira Cenci, mãe da Rafaella de 7 anos e do Gael de 4 anos também participará da conversa e contribuirá com relato sobre como tem sido o seu cotidiano durante a pandemia, além de informações de pesquisas sobre o tema.
A professora do curso de Física da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e diretora da Academia Brasileira de Ciências, Márcia Cristina Barbosa, também participará da conversa. Ela é a única brasileira na lista da ONU-Mulheres com as sete cientistas que moldaram o mundo com suas pesquisas e luta pela igualdade de gênero na ciência.
A coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Bioquímica e Bioprospecção, Márcia Mesko, será moderadora da conversa. Márcia já recebeu diversos prêmios em eventos científicos nacionais e internacionais e integrou a coleção temática “Celebrating Excellence in Research: 100 Women of Chemistry”, que celebra a excelência na pesquisa e destaca 100 Mulheres da Química.
Meninas na Ciência
Márcia Mesko coordena o Projeto Meninas na Ciência: o uso de temas motivadores para atrair novos talentos para a química que acontece na Escola Margarida Gastal do Capão do Leão, escola parceira da UFPel. O projeto já mudou a realidade de várias estudantes da instituição.
Elas na ciência
A UFPel promoveu em 2019 o evento Elas na Ciência, uma promoção do Programa de Pós-Graduação em Bioquímica e Bioprospecção do Centro de Ciências Químicas, Farmacêuticas e de Alimentos da Universidade. O encontro teve como objetivo discutir o panorama geral da atuação das mulheres na Ciência e estimular a inclusão de novos talentos. O evento motivou o levantamento sobre a presença discente e docente feminina na vida acadêmica e na pesquisa, visando a construção de políticas que incentivem e promovam a maior participação das mulheres dentro da Universidade.
Agora é que são elas…
A pesquisa da UFPel “Agora é que são elas: a pandemia de Covid-19 contada por mulheres”, desenvolvida em colaboração com a UFRJ é coordenada pela professora da Psicologia, Camila Peixoto Farias e tem a colaboração da professora Giovana Luczinski e da professora Fernanda Canavêz da UFRJ. A equipe conta também com a participação de várias estudantes. O objetivo é contemplar a diversidade de realidades das mulheres para a produção de conhecimento científico e construção de ações de enfrentamento e cuidado durante e após a pandemia. O público alvo são mulheres acima de 18 anos de idade e as respostas podem ser enviadas até 30 de junho de 2020. O link para o formulário é https://forms.gle/XHvyYnj4jou2Djcb6 .