Epidemiologia divulga resultados da pesquisa sobre a saúde da população rural de Pelotas
O Programa de Pós-Graduação em Epidemiologia da Universidade Federal de Pelotas (PPGE/UFPel) promoveu o seminário “Pesquisa sobre a Saúde da População Rural de Pelotas 2016: Resultados”, nesta última terça-feira (9), no auditório B do Centro de Pesquisas Epidemiológicas da UFPel.
Coordenadoras do estudo, pesquisadores de diversas áreas da saúde, lideranças políticas e comunitárias, subprefeitos e moradores da zona rural de Pelotas reuniram-se para a apresentação e o debate dos resultados do primeiro estudo de base populacional a coletar dados demográficos, socioeconômicos e de saúde representativos da zona rural do município.
Na composição da mesa do seminário, estavam a prefeita de Pelotas, Paula Mascarenhas, o reitor da Universidade Federal de Pelotas, Pedro Hallal, o pró-reitor de Pesquisa e Pós-Graduação da UFPel, Flávio Demarco, o coordenador do PPGE, Bernardo Horta, a coordenadora adjunta da PPGE, Helen Gonçalves, a secretária municipal de Saúde, Ana Costa, e o diretor executivo da Secretaria de Desenvolvimento Rural, Eduardo Schuler.
Conduzida pelo Mestrado em Epidemiologia da UFPel, a Pesquisa sobre a Saúde da População Rural de Pelotas realizou entrevistas domiciliares com mais de 1,5 mil moradores na faixa etária a partir dos 18 anos de idade, entre janeiro e julho de 2016, nos oito distritos rurais do município: Monte Bonito, Cerrito Alegre, Cascata, Rincão da Cruz, Quilombo, Colônia Z3, Triunfo e Santa Silvana.
Primeira a tomar a fala após a apresentação dos resultados, a prefeita de Pelotas destacou os dados sobre a avaliação dos moradores da zona rural em relação ao atendimento dos profissionais das Unidades Básicas de Saúde e salientou a importância do intercâmbio com o Centro de Pesquisas Epidemiológicas da UFPel. “Queremos fortalecer laços e abrir um caminho de comunicação que nos ajude a construir uma cidade melhor para todos”, disse.
O reitor da universidade, Pedro Hallal, fez referência à perseverança dos alunos diante das dificuldades iniciais de logística do trabalho, testemunhadas quando Hallal ainda estava à frente da coordenação do PPGE. “As pesquisas têm de ser desenvolvidas onde é mais preciso e não onde é mais fácil e cômodo”, concluiu.
A pesquisa dá continuidade à série de investigações de saúde da população de Pelotas, realizada a cada dois anos pelo Mestrado em Epidemiologia da UFPel desde 1999. Com coordenação das professoras Elaine Tomasi, Helen Gonçalves, Luciana Tovo Rodrigues, Maria Cecília F. Assunção e Renata Bielemann, a edição de 2016 teve a participação dos autores das dissertações, Mayra Pacheco Fernandes, Thais Martins da Silva, Rafaela Costa Martins, Caroline Bortolotto, Ana Carolina Ruivo, Roberta Hirschmann Adriana Kramer Fiala Machado, Gustavo Pêgas Jaeger e Mariana Otero Xavier, e a colaboração dos alunos Bernardo Antônio Agostini, Janaína Calu Costa, Luís Paulo Vidaletti Ruas e Maria del Pilar Flores Quispe.
“Acreditamos que um dos aspectos fundamentais da pesquisa científica é o impacto social dos resultados que produz”, declarou o coordenador do PPGE, Bernardo Horta, ao parabenizar o grupo de pesquisadores, em especial, os mestrandos envolvidos com a execução do estudo.
Nove trabalhos de dissertação de mestrado analisaram dados coletados no inquérito populacional, que incluiu informações sobre qualidade de vida, qualidade do sono, hábitos alimentares, consumo de álcool e cigarro, depressão, obesidade corporal e abdominal, prática de atividades físicas e avaliação dos serviços de saúde.
“Chamam a atenção resultados que apontam questões típicas da realidade urbana já presentes na zona rural, como problemas de obesidade e sobrepeso e o consumo elevado de refrigerantes e açúcares”, comenta a docente Helen Gonçalves.
Os títulos e os principais resultados dos trabalhos de dissertação estão descritos a seguir:
1) Qualidade da dieta de adultos da zona rural do sul do Brasil
Os resultados apontam que um terço dos moradores consome refrigerantes ou sucos artificiais todos os dias, e apenas um em cada quatro moradores consome legumes ou verduras diariamente. Por outro lado, o estudo conclui que a zona rural não aderiu ainda ao consumo de alimentos industrializados; 8,7% dos moradores consomem embutidos e 4,1% consomem frituras diariamente.
De acordo com os dados, homens, os mais jovens, moradores de menor nível econômico e família de pescadores apresentaram pior qualidade da dieta, com baixo consumo de alimentos básicos como legumes ou verduras, frutas, leite e carne ou frango.
Já as mulheres, idosos, diabéticos, os mais ricos e aqueles de famílias que trabalham com venda de animais eram os que tinham uma dieta de melhor qualidade.
“Nosso estudo sugere que deve haver estímulo à diversificação de culturas, especialmente ao cultivo de hortas para a produção de frutas, verduras ou legumes, para substituir o consumo de doces, refrigerante ou sucos artificiais”, afirma a mestranda e autora do trabalho, Mayra Pacheco. Os autores destacam que hábitos alimentares são formados na infância. “Atividades de educação nutricional poderiam ser inseridas nas escolas rurais. A população com menor nível econômico e os pescadores também precisam de educação nutricional, que pode ser realizada nas Unidades Básicas de Saúde”, acrescenta a autora.
2) Obesidade geral e abdominal e seus determinantes em uma população adulta residente na zona rural do município de Pelotas
Os resultados revelam que aproximadamente 30% dos moradores da zona rural de Pelotas estão obesos. Juntos, os índices de sobrepeso e obesidade contabilizam 65% das pessoas de 18 anos de idade ou mais na população rural do município.
De acordo com as análises, a obesidade é maior entre as mulheres, com percentuais de 40% no grupo feminino e de 25% no grupo masculino. O quadro se inverte em relação ao sobrepeso, com percentuais de 37,5% entre os homens e de 33,3% entre as mulheres.
O estudo incluiu ainda a determinação da obesidade abdominal, definida pela medida de circunferência da cintura. Quando igual ou a 102 cm, para homens, e 88 cm para mulheres, representa risco muito aumentado para o desenvolvimento dessas doenças. Metade das mulheres (50,4%) apresenta obesidade abdominal nível II, com risco muito aumentado para doenças crônicas não transmissíveis – o dobro do percentual em comparação com os homens (24,7%). Quanto maior a idade, maiores os índices de sobrepeso e obesidade geral e abdominal para ambos os sexos. O grupo de melhor nível socioeconômico e os que não trabalham com atividades rurais estavam mais expostos ao excesso de peso.
3) Atividade física na população rural de Pelotas/RS: prevalência e fatores associados
Os resultados apontam uma prevalência alta de atividade física – 83,4% dos moradores praticavam pelo menos uma hora e meia de atividade física de intensidade moderada a vigorosa por semana, atingindo o nível recomendado pela Organização Mundial de Saúde (OMS) para adultos. A proporção de pessoas ativas no domínio do trabalho é cinco vezes maior do que no domínio do lazer na zona rural do município. Na análise por domínios, as prevalências de atividade física foram de aproximadamente 75% no trabalho, e 25% no deslocamento. Em contrapartida, a prevalência de atividade física no lazer foi de apenas 15%.
“Esses dados salientam as diferenças do modo vida e trabalho entre as populações rurais e urbanas. Nas zonas urbanas a atividade física ocupacional é um hábito cada vez menos comum, enquanto o trabalho na zona rural envolve esforço físico, às vezes por muito tempo do dia. Já a atividade física de lazer é maior no urbano do que no rural”, afirma a educadora física e autora do estudo, Rafaela Martins.
As diferenças socioeconômicas também tiveram influência sobre a prática de atividade física na zona rural. As pessoas mais ativas no lazer estão no primeiro grupo de renda, têm nove anos ou mais de escolaridade e ocupação não-rural. Em contraste, os mais ativos no trabalho estão no penúltimo grupo de renda, têm entre cinco e oito anos de escolaridade e ocupação com trabalho rural. Apenas 12,8% dos trabalhadores com ocupação rural praticavam alguma atividade física no lazer.
4) Prevalência e fatores associados aos sintomas depressivos em adultos da zona rural de Pelotas-RS
O estudo mostrou que 35,4% dos moradores da zona rural de Pelotas apresentavam sintomas de depressão. Dentre estes, os que se mostraram mais importantes foram culpa, ansiedade e sentir-se atarefado.
Os sintomas depressivos foram mais comum em mulheres, adultos com baixa escolaridade, pertencentes às classes econômicas menos favorecidas, portadores de outras doenças crônicas, como diabetes e hipertensão, que avaliaram sua saúde como ruim ou muito ruim e que tinham pior qualidade do sono.
Quanto às classes econômicas, a prevalência de sintomas depressivos para indivíduos pertencentes às classes A e B foi de 26,9%, contra 41,1% para aqueles das classes D e E.
De acordo com a autora do estudo, Roberta Hirschmann, a alta prevalência dos sintomas depressivos entre moradores na zona rural indica a relevância da depressão como um importante problema de saúde pública nessa população e que ações preventivas são necessárias, como o rastreamento para detecção precoce dos sintomas, bem como a manutenção do tratamento para os diagnosticados.
5) Qualidade do sono e fatores associados em população rural de um município no sul do Brasil
Na zona rural de Pelotas, de cada dez moradores, sete têm problemas relacionados ao sono. Quem relata mais problemas são as mulheres, as pessoas com mais de 40 anos de idade, aqueles que frequentaram a escola por menos tempo e os que lidam diretamente com agrotóxicos. Quem tem pressão alta e sintomas de depressão também disse ter mais problemas para dormir. As principais queixas foram: ter dificuldade para pegar no sono, precisar tomar remédios para dormir, acordar no meio da noite, acordar pela manhã já se sentindo cansado, roncar e ter sono agitado.
“Nosso estudo mostra que a população rural do município apresenta problemas no sono. Maior atenção deve ser dada ao sono desse grupo populacional, principalmente entre as pessoas mais afetadas pelo problema, por exemplo, indivíduos depressivos e com intoxicação por agrotóxico, priorizando a prevenção e o tratamento”, conclui a autora do estudo, Adriana Fiala.
6) Qualidade de vida em adultos da zona rural de Pelotas-RS: estudo de base populacional
Apenas um em cada dez moradores da zona rural considera que tem uma qualidade de vida muito boa. Ter uma pior percepção sobre a própria qualidade de vida na zona rural é mais comum entre idosos, os que têm cor da pele preta ou parda, que sempre viveram na zona rural, que são mais pobres, que têm menos escolaridade e não têm um trabalho formal. Quando perguntados se estavam satisfeitos com a sua própria saúde, quase todos os entrevistados disseram não estar muito satisfeitos. Esta resposta foi mais frequente entre mulheres, idosos e também entre aqueles sem um trabalho formal.
“A avaliação da qualidade de vida vem ganhando importância como parâmetro para programas de assistência à saúde. Como está relacionada a vários domínios – físico, psicológico, social e meio-ambiente – a melhoria da qualidade de vida é um dos resultados esperados das políticas públicas de promoção de saúde”, explica a nutricionista Caroline Cardozo Bortolotto, autora de dissertação de mestrado sobre o tema.
7) Os serviços de saúde da zona rural de Pelotas: uma avaliação técnica comparada com a visão do usuário
Os resultados indicam que 66,4% dos moradores estão satisfeitos com serviços de saúde da sua localidade, ou seja, com a estrutura e os serviços prestados nas unidades básicas de saúde. O atributo da atenção primária à saúde que obteve pior avaliação dos entrevistados foi o acesso de primeiro contato, enquanto que o atributo mais bem avaliado foi a orientação familiar. Oito em cada dez entrevistados disseram estar satisfeitos com o atendimento dos médicos, enfermeiros e recepcionistas dos serviços de saúde. 15% dos entrevistados disseram que sua última consulta médica durou cinco minutos ou menos.
As características associadas à maior satisfação em relação às unidades básicas de saúde são acesso de primeiro contato (ser o primeiro recurso a ser buscado), longitudinalidade no cuidado (ser acompanhado pelo mesmo profissional ao longo do tempo); orientação familiar (consideração do indivíduo dentro do contexto familiar e sua exposição a ameaças à saúde) e orientação comunitária (entendimento das características de saúde na comunidade e dos recursos disponíveis).
8) Epidemiologia do tabagismo na zona rural de pelotas
A pesquisa revela que 16,6% dos moradores da zona rural de Pelotas são fumantes. A proporção é duas vezes maior entre os homens do que entre as mulheres, com proporção de 21,9%, no grupo masculino, e 11,6%, no feminino.
A maioria (57,6%) tem preferência pelo consumo do cigarro de papel enrolado à mão. Esse último percentual – quase 60% – preocupa porque os fumantes de cigarro artesanal, principalmente o de papel, têm maiores ocorrências de doenças pulmonares crônicas.
O tabagismo é duas vezes maior entre as pessoas das classes D/E em comparação com as das classes A/B. Em média, o consumo inicia aos 16 anos de idade.
Outro dado interessante evidencia a associação entre consumo de tabaco e álcool. O percentual de fumantes é cerca de 50% maior entre aqueles que apresentam algum transtorno relacionado ao consumo de álcool em comparação com os que não apresentam esse tipo de transtorno.
“Os resultados sugerem que políticas públicas de combate ao fumo na região devem levar em consideração as desigualdades sociais. O planejamento deve incluir estratégias de prevenção ao início precoce do vício, com atenção especial aos grupos de menor nível socioeconômico”, conclui a autora do trabalho, Mariana Xavier.
9) Prevalência de Transtornos Relacionados ao Uso de Álcool e Fatores associados entre Adultos da Zona Rural de uma cidade de médio porte do Sul do Brasil: estudo de base populacional
Um em cada doze moradores da zona rural de Pelotas consome bebidas de álcool em quantidades que representam risco para a saúde (três ou mais latas de cerveja). A idade de 17 anos foi a mais relatada como a de início do consumo de bebidas. “Alguns afirmaram ter experimentado pela primeira vez aos nove anos”, relata o médico Gustavo Pêgas Jaeger, autor da pesquisa. O estudo mostrou que os maiores consumidores de bebidas eram homens, jovens entre 18 e 24 anos, fumantes, que não praticavam atividades religiosas e aqueles com menos condições econômicas.
Em relação à idade, quanto mais jovem, maior a propensão ao comportamento. O consumo de risco é mais frequente entre os jovens de 18 a 24 anos do que entre os adultos de 25 a 39 anos – nessas duas faixas etárias, é três vezes maior do que na faixa etária a partir dos 60 anos. Os dados também revelam maiores prevalências entre os que vivem sem companheiro e experimentaram o álcool antes dos 18 anos. Além disso, os índices de consumo de risco foram menores entre os praticantes de religião evangélica.
“O senso comum propaga que o consumo de bebidas de álcool é alto na zona rural, mas nosso estudo quantifica isso, apresenta dados concretos sobre a questão. Quase uma em cada dez pessoas tem problemas com álcool nessa população, e os dados despertam preocupação com o maior número entre os mais jovens. Os resultados fornecem subsídios para o planejamento de políticas na região, apontando para estratégias de prevenção do início precoce, antes dos 18 anos, e para intervenções dirigidas em especial ao público masculino”, conclui o autor.