9ª Siiepe: Professor emérito da UFPel demonstra a importância da Ciência
O professor emérito da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), Cesar Victora, reconhecido internacionalmente pelas pesquisas na área de saúde pública, ministrou a palestra “Por que fazer Pesquisa no Brasil?”, durante a segunda noite de programação da 9ª Semana Integrada de Inovação, Ensino, Pesquisa e Extensão (Siiepe), no auditório da Sicredi Interestados. As múltiplas respostas à pergunta-título puderam ser compreendidas pela exposição do cientista acerca dos três tipos de pesquisa, suas interações, vantagens e desvantagens e o mais importante: as suas contribuições à sociedade. Cada modalidade de investigação foi ilustrada com experiências de sua trajetória profissional, marcada pela transformação de políticas públicas em todo o mundo.
O cientista dedicou-se à Epidemiologia, campo de estudos que se debruça sobre questões de saúde em populações delimitadas. O seu trabalho tornou-se conhecido pelas pesquisas acerca de amamentação, nutrição materno-infantil, desigualdades sociais, avaliação de programas de saúde e as coortes de nascimento, que consistem em um conjunto de indivíduos que têm em comum um mesmo evento, o nascimento, que passa a ser acompanhado ao longo do tempo. As pesquisas epidemiológicas, conforme explicou, buscam “avançar com o conhecimento, promover mudanças, planejar, avaliar e melhorar programas de assistência à saúde”.
Os três tipos de pesquisa explicados são a “acadêmica”, a “de denúncia” e a “operacional”, todas com possibilidade de interação entre si. Na modalidade pesquisa acadêmica, Cesar Victora relatou as investigações realizadas em parceria com o pesquisador Fernando Barros desde a década de 1980, também professor emérito da UFPel. Os pesquisadores, inicialmente, dedicaram-se a conversar sobre as famílias de duas mil crianças falecidas, em Pelotas e Porto Alegre, sobre amamentação.
Os cientistas identificaram a relação entre os índices de mortalidade infantil e o tempo em que as crianças recebiam leite materno. Naquela época, a média era de dois meses e meio. Como consequência, a morte de crianças estava principalmente associada aos casos de diarreia. Atualmente, após os estudos desenvolvidos, que influenciaram políticas públicas, a prática é de mais de um ano. “É uma mudança radical no comportamento. Nunca pensei que isso poderia acontecer. Fico feliz que as minhas pesquisas ajudaram um pouco para essa realidade”, comemorou.
As pesquisas do tipo “denúncia”, ensinou o pesquisador, abordam os determinantes sociais da saúde: “as causas das causas”. Nessa perspectiva, o trabalho de Cesar Victora alertou para as desigualdades no acesso à assistência médica. Pelas coortes de nascimento, comprovou que “pobres morrem mais que ricos”, as desigualdades salariais entre homens e mulheres, apesar do mesmo quociente intelectual (escala de medição da inteligência) e maior escolaridade das mulheres. Diante desses cenários, o pesquisador citou a importância da criação do Sistema Único de Saúde (SUS), que garante o acesso universal à assistência médica, e programas de transferência de renda, como o Bolsa Família. “Precisamos nos orgulhar disso”, convocou.
Já a “pesquisa operacional”, explanou, destina-se à mensuração dos níveis de saúde, para desenvolver padrões de normalidade e avaliar programas voltados à área. Nessa abordagem, o trabalho de Cesar Victora contribuiu para o entendimento global sobre as curvas de crescimento infantil. À época, as projeções para o crescimento, que definiam o que era entendido como normal para cada idade, não refletiam a evolução de crianças amamentadas.
Com esse desafio, a sua investigação, que mobilizou coleta de dados em seis lugares do mundo, buscou responder à pergunta: “Como é o crescimento ideal da espécie humana?”. O resultado do estudo gerou o gráfico (curva de crescimento) adotado pela Organização Mundial de Saúde (OMS), agência vinculada às Nações Unidas (ONU), e por mais de 150 países.
Sobre essa experiência, ao longo de sua apresentação, o cientista relativizou a importância do número de citações, situação em que o trabalho de um pesquisador é referenciado por outro. A pesquisa sobre as curvas de crescimento, embora não tenha sido citado muitas vezes pelas comunidade científica, é “acessado por todo mundo”. Está inserido, inclusive, nas carteirinhas de vacinação. Da mesma forma, trabalhos de sua autoria, ponderou, não circularam tanto no meio acadêmico, mas chegaram à população pelos veículos de imprensa, o que atesta a sua relevância social.
Interação entre os Tipos de Pesquisa
A ciência também pode ser produzida com mais de uma dimensão, a partir das interfaces entre a pesquisa “acadêmica”, “de denúncia” e a “operacional”. Um desses exemplos, demonstrou Cesar Victor, é o trabalho chamado “Epicovid19”, coordenado pelo Centro de Pesquisa Epidemiológicas da UFPel e financiado pelo Ministério da Saúde. A pesquisa, desenvolvida durante a pandemia de Covid-19, abrangeu 133 cidades do Brasil, do “Oiapoque a Pelotas”, para identificar a prevalência do novo coronavírus e a sua expansão no País.
No tipo pesquisa “acadêmica”, o Epicovid19 contribuiu para a compreensão de como o vírus de disseminou pelo País e de como o número de casos notificados “subestima a magnitude da pandemia”. O estudo, na dimensão “denúncia”, revelou que, naquele período, seis cidades de maior prevalência eram da região amazônica, o que demonstrava a maior vulnerabilidade de parcelas da população de características étnicas e raciais específicas (pessoas indígenas, pardas e pretas). Em relação à interface operacional, a pesquisa também buscou descobrir se crianças deixaram de ser vacinadas durante a pandemia, o que também evidenciou os determinantes sociais para a saúde, pela diferença identificada entre crianças pobres não imunizadas (22,7%) e ricas (15%).
Apresentação Cultural
A programação da segunda noite de atividades na 9ª Siiepe contou com a participação do Núcleo de Folclore e Culturas Populares (Nufolk) da UFPel e da companhia Abambaé. Para representar a tradição da região Norte do País, egressas e egressos do curso de Dança da UFPel e o docente do curso, Thiago Jesus, apresentaram três coreografias: “Ciriá”, “Carimbó” e “Maçariquinho”.
A 9ª Siiepe
A Siiepe congrega o 7º Congresso de Inovação Tecnológica (CIT), o 9º Congresso de Ensino de Graduação (CEG), o 10º Congresso de Extensão e Cultura (CEC), o 25º Encontro de Pós-Graduação (ENPOS) e o 32º Congresso de Iniciação Científica (CIC). São mais de 10,9 mil pessoas inscritas e 3.941 produções que serão apresentadas durante os cinco dias de evento.
Além das tradicionais apresentações orais, a Siiepe tem em sua programação palestras, painéis temáticos, apresentações performativas, mostra artística e o “Sua Tese em Três Minutos” – desafio de apresentação, em três minutos, dos resultados de teses de doutorado para um público alheio à linguagem científica.