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Conhecimento no combate às pandemias é tema da abertura da SIIEPE

A abertura da edição da Semana Integrada de Inovação, Ensino, Pesquisa e Extensão do ano de 2020 não poderia abordar um tema diferente do que aquele que tem determinado as ações e discussões atuais: a pandemia de covid-19. Convidado a proferir a palestra, o matemático Eduardo Massad, professor da Fundação Getúlio Vargas, da Universidade de São Paulo e da Escola de Higiene e Medicina Tropical de Londres, que tratou do conhecimento científico no combate às pandemias.

Antes da sessão de abertura, o vice-reitor da UFPel, Luis Amaral, coordenador da SIIEPE, fez as boas-vindas ao público da transmissão ao vivo, realizada pelos canais oficiais da Universidade. “Mesmo nesse ano difícil, conseguimos realizar esse evento marcante na vida da UFPel”, comemorou. Na opinião de Amaral, as circunstâncias e desafios de 2020 foram uma alavanca para construir a transformação em diversos âmbitos da vida acadêmica: “Esse ano nos trouxe oportunidades”.

A mesma opinião é compartilhada pelo reitor, Pedro Curi Hallal. Ele considera que a UFPel conseguiu se reinventar durante a pandemia e ampliar a notoriedade de suas atividades. “A UFPel nunca foi tão conhecida no país, e isso se deve ao trabalho de toda a comunidade”, afirmou Hallal, que destacou diversas iniciativas conduzidas pela instituição durante a pandemia, como a pesquisa Epicovid, os estudos sobre moléculas e soros hiperimunes, o combate à doença no Hospital Escola, entre outros.

Logo após as falas iniciais, foi realizada uma apresentação cultural. Uma iniciativa conjunta entre o Coral da UFPel e o Núcleo de Teatro apresentou uma peça audiovisual sobre a canção “Se eu fosse alguém”, de Vitor Ramil.

Conhecimento e pandemias

Ao apresentar o palestrante, o reitor Curi Hallal lembrou que a Universidade Federal de Pelotas busca utilizar o conhecimento sobre Saúde Pública como fonte de transformação desde a década de 1980, quando começaram as primeiras pesquisas das coortes de nascimentos.

“O mesmo motivo que fez com que a UFPel começasse, em 1982, a coorte de nascimentos de Pelotas fez com que a UFPel começasse, em 2020, a Epicovid”, destacou. Segundo o reitor, os pesquisadores pioneiros da Epidemiologia consideravam que as estatísticas oficiais de mortalidade infantil em Pelotas estavam abaixo da realidade, tal qual os números divulgados da doença causada pelo novo coronavírus.

Ao destacar essa importância da estatística e dos números na construção do conhecimento sobre saúde, foi apresentado o palestrante, Eduardo Massad, da área de Matemática Médica, ligado a diversas universidades e membro da Sociedade Real de Medicina do Reino Unido.

Massad iniciou sua fala pontuando que a humanidade vem se confrontando com pandemias desde tempos imemoriais. Algumas delas ficaram muito notórias como é o caso da Peste Negra e da Gripe Espanhola, que mataram, respectivamente, 50% da população europeia e 10% da população mundial em questão de poucos anos. No entanto, o matemático também destacou que tais pandemias assim como emergiam também desapareciam.

Fatores envolvidos em pandemias

De acordo com o palestrante, diversos fatores contribuem para o curso de uma pandemia: evolutivos e ecológicos, culturais e comportamentais e políticos e econômicos. As novas doenças geralmente advém por origem zoonótica, ou seja, começam nos animais. Nesse momento, Massad pontuou os fatores comportamentais e culturais, ao lembrar a “famigerada”, em suas palavras, sopa de morcego, que teria causado a infecção do paciente zero; na verdade, segundo ele, não foi a ingestão a responsável, mas sim algum dos processos de preparação, como a caça ou a evisceração.

Outro desses fatores é a própria propagação da doença, que devido à dinâmica das viagens aéreas, possibilita que qualquer epidemia esteja a apenas um dia de distância máxima de grandes centros. “Estamos sempre no máximo a 24 horas de que qualquer pandemia apareça no mundo”, afirmou.

Já os fatores evolutivos e ecológicos determinam, especialmente, o comportamento do agente infeccioso responsável pela doença. Dois deles são fundamentais para determinar esse processo: o número de pessoas para quem um infectado pode transmitir e a proporção de infectados que acaba morrendo, chamada de letalidade. Segundo o professor, doenças de transmissão direta, como é o caso da covid-19, têm uma letalidade menor do que aquelas que dependem de um vetor: não é interessante para o vírus em matar muito, mas sim infectar mais pessoas. “É uma estratégia adaptativa do vírus”, ressaltou.

Todos os patógenos, como regra geral, atenuam a sua virulência conforme o tempo de interação com seus hospedeiros vai passando. Ou seja, quando uma doença aparece, ela tem uma letalidade mais alta; conforme o tempo vai passando, vão aparecendo novas cepas com uma virulência menor, mais que infectam um maior número de pessoas.

Para exemplificar tal comportamento, Massad relatou um caso paradigmático descoberto há pouco tempo: em 1899, na Rússia, emergiu uma nova doença respiratória, de transmissão direta, que acabou se espalhando pelo mundo, gerando uma das primeiras grandes pandemias. Mais de um milhão de pessoas morreram – o que em números proporcionais à hoje em dia seriam dez milhões. Paleoantropologistas, ao analisarem os cadáveres, identificaram que o causador era um integrante da família dos coronavírus, o OC-43, primo do SARS-Cov-2. Em dois anos, ele simplesmente desapareceu do radar. No entanto, ao olhar os atuais causadores de resfriados comuns, ele está lá, gerando 10% dos casos. “É exatamente isso que a gente espera que aconteça com a covid”.

O palestrante também destacou os fatores políticos e econômicos como mitigadores ou ampliadores dos impactos das pandemias. Um dos exemplos utilizados pelo professor foi o estudo dos números com a flexibilização das medidas de distanciamento adotadas pelo governo do estado de São Paulo. Segundo os dados analisados pelo grupo de pesquisa de Massad, devido à abertura, a tendência de queda de casos no estado levou mais tempo para ser atingida, causando 80 mil mais casos e matando 1,3 mil pessoas.

As aberturas cada vez maiores também já anteciparam a segunda onda de contágio do coronavírus, mesmo sem ter havido uma queda acentuada, como ocorreu no continente europeu. Por isso, Massad considera que a reabertura das escolas ainda não deveria estar ocorrendo.

Finalizando sua fala, o palestrante entrou no assunto que sensibiliza a todos os impactados pela pandemia: a chegada da vacina. Apesar de parecer otimista com o curso da covid-19, que ele diz acreditar que vai atenuar muito mais rapidamente do que se imagina, Massad diz que a imunização poderá causar um evento paradoxal, caso a vacina não tenha eficácia mínima: as pessoas, por se sentirem protegidas, irão abandonar os hábitos de prevenção, causando mais casos e acelerando o curso da pandemia. Ele ainda prevê que, até que o vírus atenue sua força, haverá surtos anuais da doença.

No entanto, ele encerrou sua fala com palavras de esperança: “Queria passar a mensagem de que essa pandemia vai passar. O que não significa que não possa vir outra: por isso devemos aproveitar para tomar os ensinamentos das pandemias que já tivemos e estarmos preparados”.