Mulheres pobres das zonas rurais têm menos acesso ao atendimento especializado durante o parto, aponta tese
As mulheres mais pobres que moram nas zonas rurais são as que menos recebem assistência de profissional qualificado durante o parto em países de baixa e média renda, segundo estudo da Universidade Federal de Pelotas. O nível socioeconômico e o local de residência são fatores chave para a avaliação das desigualdades na cobertura de parto por profissional qualificado nesses países.
As conclusões fazem parte de tese de doutorado desenvolvida no Programa de Pós-Graduação em Epidemiologia da Universidade Federal de Pelotas pelo médico haitiano Gary Joseph, orientado pelos professores Cesar Victora e Inácio Crochemore da Silva.
O trabalhou avaliou a trajetória dos níveis de cobertura de parto por profissional qualificado e sua relação com o índice de bens, a renda familiar e local de residência urbano ou rural das mulheres em países de baixa e média renda no período de 1991 a 2015. Foram analisados aproximadamente 300 inquéritos populacionais representativos de 100 países.
Os resultados mostram que uma em cada cinco mulheres dão à luz sem receber a assistência adequada ao parto. Ao todo, a média de cobertura é de 73,8%, variando de 11,8%, na Etiópia, em 2011, a 100%, na Bielorrússia, em 2012, para países com inquéritos disponíveis a partir de 2005. Acordo internacional da Organização das Nações Unidas estabelece a meta de 90% para a cobertura de partos por profissional qualificado até 2030.
Quase metade das mulheres mais pobres está fora da cobertura no meio rural
As evidências apontam desigualdades de acesso ao atendimento especializado no parto entre mulheres pobres e ricas nas áreas urbanas e rurais. A diferença é de 40 pontos percentuais a mais no grupo de maior renda da zona urbana, em comparação com o de menor renda da zona rural. Entre as mulheres mais ricas, a proporção é de 93,4%, na zona urbana, e de 86,7%, na zona rural, enquanto cai para 66,7%, no meio urbano, e 55,5%, no meio rural, entre as mais pobres.
Garantir a assistência de um profissional de saúde qualificado durante o parto é uma das principais intervenções para reduzir a mortalidade materna e neonatal, segundo a Organização Mundial de Saúde.
“Aproximadamente metade das mulheres mais pobres nas zonas rurais está fora da cobertura de assistência profissional durante o parto. Elas estão expostas ao risco de morrer por causas que podem ser evitadas com a assistência adequada”, afirma o autor da tese.
Estudo aponta exemplos de países que ampliaram a assistência
Com base na análise dos níveis de renda e de cobertura de parto por profissional qualificado ao longo do tempo, os pesquisadores identificaram grupos de países que obtiveram maior sucesso em aumentar a cobertura por meio de iniciativas e programas específicos.
Egito, Ruanda, Camboja, Burkina Faso e Nepal apresentaram aumento de 40 pontos percentuais na cobertura de parto por profissionais qualificados em um intervalo de dez anos ou mais. “Embora a renda da população tenha também aumentado no período, a cobertura ampliou-se em ritmo mais acelerado do que seria previsto tão somente pelo crescimento econômico, indicando o papel de intervenções específicas”, acrescenta Joseph.
No Nepal, por exemplo, o governo investiu em uma ampla rede de centros de saúde com serviços gratuitos, combinada a um programa de base comunitária que conta com mais de 50 mil voluntárias em um trabalho “porta a porta”. O programa fornece ainda incentivo em dinheiro para as gestantes que realizam o parto com assistência profissional e cobre custos de transporte e remuneração a profissionais qualificados que prestem auxílio em situação de parto domiciliar.
Países como Etiópia, Chade, Tanzânia e Nigéria, ao contrário, apresentaram aumentos de menos de 10% nos índices de cobertura, ao lado de modesto crescimento da renda populacional. Na Nigéria, os percentuais nacionais permaneceram praticamente inalterados, passando de 43.9%, em 2003, para 46.3%, como resultado de discreto aumento na zona urbana e queda da cobertura na zona rural.
De acordo com os autores, em análise adicional que avaliou a capacidade preditiva da renda absoluta e do índice de bens sobre a cobertura de partos assistidos por profissionais qualificados, a renda absoluta das famílias mostrou-se o melhor preditor da variabilidade observada na cobertura de parto por profissionais qualificados (51,5%) do que as medidas tradicionais do índice de bens (22%).
“Isso mostra a necessidade de os países coletarem informações sobre renda familiar em seus inquéritos populacionais, o que ajudaria a melhorar a interpretação das desigualdades socioeconômicas em saúde e a entender se mudanças na cobertura de um determinado indicador de saúde são devidas apenas ao crescimento econômico ou a programas ou políticas de saúde estabelecidas pelo país”, conclui Joseph.