Debate sobre discriminações de raça, gênero e sexualidade abre Mostra de Ensino
Teve início nesta quinta-feira(27) e prossegue até amanhã, no campus Porto da UFPel, a Mostra de Ensino 2014 da Pró-Reitoria de Graduação (PRG). O evento tem o objetivo de criar um espaço para apresentação de programas e projetos de ensino vinculados ao ensino de graduação na UFPel, durante o ano de 2014, fomentar a elaboração de um Projeto de Ensino que concorra para o aprimoramento e qualificação do processo de ensino-aprendizagem nos cursos de graduação, estimular a participação discente em programas e projetos vinculados ao ensino de graduação e promover troca de experiências e o estabelecimento de relações entre programas e entre projetos de ensino, visando a qualificação dos mesmos.
Através de palestras e mesas-redondas, que se desenvolverão no auditório da Reitoria (4º andar), estarão em discussão temas como acesso ao ensino superior, flexibilização curricular, mobilidade acadêmica e enfrentamento da crise ecológica e suas relações sociais. No saguão e corredores do andar térreo, estarão expostos pôsteres sobre projetos de ensino.
Ao usar da palavra, em breve saudação aos organizadores do evento, a vice-reitora Denise Gigante, no exercício da Reitoria, disse que a Mostra reforça a intenção de promover a indissociabilidade entre as áreas de Ensino, Pesquisa e Extensão. Nesse sentido, no ano de 2015, o já tradicional Congresso de Iniciação Científica e o Congresso de Extensão e Cultura (CEC), realizados de forma conjunta em 2014, deverão incluir também a área de Ensino de Graduação.
Segundo a técnica em Assuntos Educacionais da PRG, Eugênia Antunes Dias, o momento é de adesão, troca de experiências e solidariedade, “sem qualquer conotação de competitividade”.
Políticas afirmativas e currículo
Encaminhando a abertura da mesa-redonda Políticas Afirmativas e Currículo, envolvendo os temas Indígenas, Afrodescendentes e Quilombolas, e Gêneros e Sexualidade, o pró-reitor de Graduação, Álvaro Hypólito, disse que a Universidade está atenta à necessidade de contemplar em seu currículo e na própria realidade acadêmica as diferentes aspirações dos grupos de excluídos, representados por diversos movimentos sociais.
O primeiro convidado a falar foi o professor Rogério Rosa, do curso de Antropologia do ICH/UFPel, que enfocou os indígenas, povos que estão na origem do Brasil e que fazem parte da contemporaneidade. “Antes nós íamos às aldeias, agora os indígenas estão batendo à porta das universidades, em busca do saber e da ciência”, observou. Ele discorreu sobre a política de cotas ameríndias em instituições como a UFRGS, UFSM, Furg e Unipampa e a definição do tema na Universidade Federal de Pelotas. A instituição, que já adota um sistema de cotas, deve aprofundar as discussões a partir da próxima semana, buscando a definição de ações afirmativas neste sentido.
Ele sugere a criação de uma coordenadoria vinculada às pró-reitorias de Assuntos Estudantis (Prae) e Graduação (PRG) para a definição de ações, políticas e programas voltados à garantia do acesso, permanência e conclusão a discentes auto-declarados pretos, pardos e indígenas que ingressem na Universidade via Enem ou através de vagas suplementares. A coordenadoria contaria com o apoio de um conselho, de caráter deliberativo.
Entre as propostas, estão a oferta inicial de 10 vagas suplementares – cinco para índios e cinco para afrodescendentes, manutenção de diálogo e parceria com lideranças sociais e entidades afins, criação de atividades voltadas à sensibilização da comunidade acadêmica e extra-acadêmica em relação a estes discentes, desenvolvimento de bolsas de estudo e auxílio estudantil, garantia de contato e vínculos com familiares e comunidades de origem, acompanhamento jurídico, psicológico, antropológico e de saúde, entre outras.
Afrodescendentes e quilombolas
O presidente da Comunidade Negra de Pelotas, Fábio Gonçalves, saudou as iniciativas da Universidade nessa área e afirmou que ela deve “amalgamar-se com a comunidade, não apenas utilizando-a como instrumento de suas pesquisas”. Ele projetou as repercussões da Lei 10.639/2003, que versa sobre o ensino da história e cultura afro-brasileira e africana e ressalta a importância da cultura negra na formação da sociedade brasileira.
A despeito de alguns avanços, o palestrante destacou o que chamou de processo de animalização e sub-humanização a que a comunidade negra ainda se vê submetida o que, em sua avaliação, denota a falta de acesso aos espaços de poder. Segundo Gonçalves, também são indicativos de discriminação e desigualdade de oportunidades, o número de alunos e professores declaradamente negros e a incidência de negros em cursos e profissões de maior destaque. “A invisibilidade de negros nos espaços de relevância, nas funções de poder, têm que querer nos dizer alguma coisa”, ironizou. “Percebe-se um avanço. Mas os movimentos e esforços no sentido de romper essas desigualdades ainda são escassos”, acentuou.
Ele se disse honrado em participar do evento, embora enfatize que tais iniciativas ainda são ações isoladas. “Não se pode confundir estas ações afirmativas com favores, pois na verdade tratam-se de políticas reparativas”, ponderou.
Ele considera mais uma injúria de caráter racial o pressuposto de que os alunos cotistas não persistiriam na universidade, uma vez que, segundo dados oficiais, no ensino superior brasileiro a média dos cotistas é superior à média dos estudantes não cotistas.
Gênero e Sexualidade
Ao abordar as questões relacionadas a Gênero e Sexualidade, a professora Lori Altmann, do Departamento de Antropologia do ICH, disse que, embora perceba-se uma falta de articulação entre as diferentes iniciativas, as discussões em torno do tema devem ganhar força no contexto universitário. Ela destacou iniciativas da Pró-Reitoria de Extensão e Cultura, na pessoa da pró-reitora Denise Bussoletti, como o Fórum de Extensão e a conclamação de docentes a integrarem-se ao Observatório de Gênero e Diversidade Sexual.
Entre os principais objetivos está a criação de um banco de dados com o que está sendo produzido na Universidade e na região e, principalmente a ampliação das discussões. Ela citou preocupações pontuais como a ocorrência de estupros no meio acadêmico, a incidência de violência doméstica a mulheres e os trotes de características machistas e homofóbicas. “A discussão de gênero deveria estar presente, em princípio como tema transversal, mas deve levar à outras iniciativas como criação de disciplinas optativas”, observou.
Lori Altmann, disse que, na visão do Observatório, devem ser criados grupos de estudos sobre a temática de gênero e diversidade sexual. Incluem-se também a produção de material didático que contemple a equidade de gênero, a criação de espaços para acolhimento de denúncias sobre discriminações e o uso de linguagem inclusiva. Tudo isso amparado pelo posicionamento institucional da Universidade.
A visão da PRG
Na visão do pró-reitor Álvaro Hypólito, em escala global, as questões de ordem racial e religiosa merecem preocupação e máxima vigilância, pois a medida em que os movimentos se fortalecem, crescem as reações dos grupos conservadores. Trazendo o tema para o cenário acadêmico, ele admitiu que “a ciência é machista, branca e ocidental”. Segundo Hypólito, as leis foram um grande avanço, mas há um longo caminho a ser percorrido. “Precisamos construir uma justiça curricular, que não se concretiza em oferecer igualdade, é preciso definir particularidades”, enfatizou, ponderando que o currículo é uma construção social. “Trata-se de uma arena política com a qual estamos comprometidos”, concluiu.